Litígio CE x PI: mapa de 1840 achado em Londres vira prova contra o Ceará

Material encontrado por professor da UFPI comprova tese apresentada pelo Estado ao STF

A Procuradoria Geral do Estado (PGE) do Piauí recorreu a um mapa de 1840, achado em uma pequena loja de antiguidade de Londres, como uma prova de que o Ceará teria apossado ilegalmente de parte do seu território.

Ambos os estados disputam no Supremo Tribunal Federal (STF) uma área de 2.874 km², situada numa região de divisa que compreende 13 municípios. A ação que tramita na Corte foi movida pelo Piauí em 2011.  

O mapa juntado ao processo atesta a tese piauiense de que a Serra da Ibiapaba seria o referencial para a divisão. Atualmente, boa parte da área a leste está sob posse do Ceará. Pelo que defendem os piauienses, que moveram a ação na Suprema Corte, 76% pertenceriam ao Ceará e 24% ao Piauí. 

Conforme noticiou o UOL, o material anexado foi entregue pelo escritor e professor de Direito da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Nelson Nery Costa. Ele relatou que encontrou duas versões de mapas no fim do ano passado, em uma pequena loja de antiguidades localizada no bairro de Notting Hill, na capital inglesa. 

A separação entre os dois estados já era conhecido, mas, pelo que indicou Costa, esse mapa tem uma característica peculiar que é importante: “Ele tem um aspecto do relevo para ressaltar essa característica”. “Ou seja, ele é bem oportuno demonstrar os limites entre Piauí e Ceará”, disse, se referindo às montanhas como os pontos de divisão.

O responsável pelo achado é presidente do Conselho Estadual de Cultura do Piauí e autor de um livro chamado “História piauiense”. Na obra, ele aborda justamente a questão dos limites entre o Piauí e os estados vizinhos do Ceará e Maranhão. 

“Eu já tinha essa preocupação sobre essa questão dos limites e me interessava, por isso nas viagens buscava mapas para ajudar nessa elucidação”, contou o estudioso.

 

Mapa de cadeia de montanhas

Em nota ao Diário do Nordeste, o Grupo Técnico de Trabalho do Ceará, que é coordenado pela Procuradoria Geral do Estado (PGE) do Ceará, afirmou que "esse mapa está sendo utilizado pelo Piauí no litígio territorial contra o Ceará como se fosse um mapa de demarcação de fronteiras, quando, na verdade, trata das principais cadeias de montanhas do mundo. As montanhas do Brasil, da Itália, da Espanha e Portugal, entre outros países, fazem parte desse Atlas". 

Segundo a PGE, esse Atlas, portanto, não tinha objetivo algum de delimitar divisas. "Além disso, trata-se de mapas sem escala e sem precisão cartográfica, pois almejavam somente desenhar as montanhas do mundo. O uso de mapas antigos não deveria ser utilizado fora do contexto e da razão para a qual foram elaborados", complementa. 

A PGE-CE reforça ainda que quaisquer documentos e mapas do período colonial e imperial do Brasil devem ser avaliados com cautela, levando em consideração seus contextos históricos e políticos. 

"Nesse ínterim, é relevante destacar que os mapas históricos, especialmente aqueles elaborados nos séculos XVIII e XIX, representam fontes de informação sobre a percepção e a representação do mundo pelas pessoas da época. Contudo, é crucial ter em mente que a precisão e os métodos cartográficos utilizados nessas eras podem variar consideravelmente em comparação com os padrões cartográficos modernos. Vale citar que a cartografia por si só carrega ideais políticos, sociais e ideológicos no processo de representatividade de determinados territórios. Todo esse processo parte do viés de interesse de determinados grupos", diz o documento da PGE-CE.

Ao UOL, a PGE afirmou que “com evidências fornecidas pelos documentos e mapas históricos, reafirma-se a posição do Estado do Ceará de que a divisa com o Estado do Piauí ocorre pelo sopé ocidental da Serra da Ibiapaba, contrapondo-se ao argumento piauiense que considera o divisor topográfico da referida serra”.

O comunicado mencionou ainda que todo o material, com mapas, argumentos e interpretações das leis, constam na defesa enviada ao Supremo.

Pelo que mencionou a publicação, a defesa cearense baseia-se tanto na análise técnica de documentos e mapas históricos que comprovariam a posse do território, quanto em aspectos relacionados à cultura e pertencimento da população que habita os municípios cearenses envolvidos na disputa.

Estados aguardam perícia

Tentativas de conciliação foram realizadas no decorrer do litígio, mas não foram bem sucedidas. Por conta disso, a ministra Carmem Lúcia, relatora do caso no STF, determinou que o Exército realizasse uma perícia na área.

O procedimento, pago pelo Piauí, foi iniciado no ano passado e está em andamento. A previsão é que ela seja concluída até o fim de junho. Caso haja alteração na divisa, 25 mil moradores da região mudariam de estado.