Em ranking de 26 países, Brasil possui maior gasto público com campanha e partidos; por quê?

O estudo foi realizado pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e compara a média anual de recursos públicos investidos por cada país

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O Brasil é o país com maior investimento público no financiamento de partidos políticos e campanhas eleitorais. A análise realizada por pesquisadores do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) compara o gasto anual de 26 países - no Brasil, isso representa a soma do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário.

Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste apontam os motivos para a liderança brasileira no uso de recursos públicos para o financiamento partidário e eleitoral. Dentre elas, está a proibição imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à doação de pessoas jurídicas para as campanhas eleitorais, além de uma crise representativa que ocasiona pouca identificação entre eleitor e partido. 

Mesmo antes do Congresso Nacional aumentar o valor do Fundo Eleitoral - saindo de R$ 2 bilhões para R$ 5,7 bilhões -, o Brasil já liderava o ranking de gastos públicos.

Segundo o estudo, os partidos recebem em média, 446 milhões de dólares por ano (cerca de R$ 2,1 bilhões).

Caso o novo valor do Fundo Eleitoral seja sancionado, os gastos públicos brasileiros passariam a 789 milhões de dólares por ano (cerca de R$ 4,09 mi). O número é quase o dobro do segundo colocado, México, com 307 milhões de dólares anuais. 

Professora de Direito Eleitoral da Universidade Federal do Ceará, Raquel Machado pondera que é necessário levar em consideração não apenas o valor bruto dos recursos brutos, mas também elementos como tamanho da população e do País. 

"O tanto de dinheiro usado na França, um país menor, é diferente do usado no Brasil", exemplifica. "O financiamento público tem uma relevância: fazer com que, mesmo quem não tenha influência sobre a iniciativa privada, consiga recursos. O financiamento público pode trazer mais igualdade e um afastamento da influência do poder econômico na campanha como no exercício do mandato". 

O preço do voto

O presidente Jair Bolsonaro afirmou que irá vetar o Fundo Eleitoral de R$ 5,7 bilhões aprovado pelo Congresso. Em entrevista nesta quarta-feira (21), ele falou que seria "obrigado a sancionar" caso o valor representasse um reajuste "na ordem de R$ 3 bilhões". 

Apesar de ter planos de impedir o aumento do Fundo Eleitoral, Bolsonaro defendeu parlamentares governistas ao dizer que a LDO era de interesse do Executivo e que o aumento do valor do fundão era "casca de banana" deixada pelo Parlamento. "Um deputado ou senador pode votar no que ele quiser", acrescentou. 

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), contendo o aumento de recursos no Fundo Eleitoral, recebeu voto favorável de 278 deputados estaduais contra 145 contrários. No Senado, foram 40 votos a favor e 33 votos contrários.

O cientista político Cleyton Monte lembra que um dos argumentos mais utilizados pelos parlamentares para o aumento do Fundo Eleitoral é o valor das campanhas. "O que a gente tem que se perguntar é: por que as campanhas no Brasil são tão caras?", indaga.

"As campanhas no Brasil são caras porque não há identificação do eleitor com os partidos. Não tem e nem se esforçam (para ter). Os partidos pouco dialogam com a sociedade em ano não eleitoral, por exemplo. Por isso, não há uma identificação, justamente porque você tem um eleitor que se torna indiferente". 
Cleyton Monte
Cientista político

A inexistência desse elo entre parcela da população e os partidos políticos acaba aumentando a necessidade de recursos públicos de diferentes maneiras. O gasto para chegar ao eleitor que não acompanha ou se engaja em nenhum partido ou candidatura e convencê-lo e apoiar o candidato é maior do que quando já existe uma identificação prévia. 

Além disso, essa crise na representatividade impede uma maior participação da população nas doações às candidaturas durante o período eleitoral - diferente do que ocorre em outras democracias.

"A doação de pessoa física é possível e forma-se um vínculo entre o eleitor e aquela candidatura", destaca a pesquisadora do  Laboratório de Estudos de Política, Eleições e Mídias (Lepem-UFC), Paula Vieira.  

Além disso, as mudanças nas regras para a próxima disputa eleitoral também afeta a decisão, completa Monte. "Os parlamentares estão percebendo que as eleições do ano que vem são muito imprevisíveis. Tem a cláusula de barreira, tem o fim das coligações - o que vai exigir mais votos para os candidatos e partidos. Tudo isso facilita a aprovação de recursos como esse", afirma.

Distribuição dos recursos  

O Fundo Eleitoral foi criado pelo Congresso Nacional como forma de compensar a proibição da doação por pessoas físicas - estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal. 

Paula Vieira lembra que o investimento público para a realização de campanhas eleitorais traz mais igualdade de condições entre os candidatos. "O fundo público funciona para que candidatos, que não teriam acesso a recursos, possam disputar,com algum critério mínimo de igualdade. Para que a candidatura seja competitiva", ressalta. 

Neste sentido, o problema acaba sendo outro. "O que se tem que discutir é a distribuição e não o valor", argumenta. 

"Então, nós tratamos do novo tema: autonomia partidária versus controle da verba pública", concorda Raquel Machado. "O partido tem que ter autonomia para dar verba para quem ele acha que tem mais chance de ganhar. Só que a autonomia partidária não pode terminar transbordando em um autoritarismo dos dirigentes partidários".

Os recursos do Fundo Eleitoral são destinados aos partidos seguindo critérios estabelecidos pela legislação eleitoral. Ao chegar nos diretórios nacionais, as legendas têm autonomia para definir as regras de distribuição dos recursos, desde que informem essas regras ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

Para Machado, é necessário que a Justiça Eleitoral exija regramentos mais específicos por parte dos partidos, porque "saímos da arbitrariedade do poder econômico e fomos para a arbitrariedade do poder partidário", argumenta.

Ela aponta ainda a necessidade de rediscutir o formato do financiamento. "A democracia não tem preço, mas custa caro. A questão é: quanto estarmos dispostos a aceitar pagar? Qual o limite?", questiona.