Desde Luizianne e Cid, prefeito de Fortaleza e governador não protagonizavam embates; veja histórico

Tradicionalmente, gestores do Executivo da Capital e do Estado ocupam lados políticos opostos no Ceará

A troca de farpas entre o prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT), e o governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), expõe uma relação tensionada entre os chefes do Estado e do Município que há muito não se via no Ceará. O estopim para o embate entre o pedetista e o petista foi o aumento da tarifa de ônibus na Cidade. Contudo, analistas políticos avaliam que esse é o prenúncio de como as lideranças políticas estarão nas eleições de 2024.

O distanciamento entre Sarto e Elmano é reflexo de um rompimento entre PT e PDT na Capital, desde 2012, e no Estado, que ocorreu no ano passado. Por outro lado, foi justamente essa aliança duradoura no Ceará que quebrou uma tradição de forças divergentes na Prefeitura de Fortaleza e no Governo do Estado desde a redemocratização.

Empossado há pouco mais de dois meses, Elmano vinha fazendo acenos sobre “conviver com pensamentos diferentes" e minimizava divergências políticas, em referência ao prefeito da Capital. A mesma conduta adotava Sarto, que, em entrevista ao Diário do Nordeste no fim do mês passado, declarou que, apesar de existirem "divergências" e "contradições", seria importante respeitar a relação institucional com o governador.

A tarifa da discórdia

Contudo, na última terça-feira (7), ao justificar um aumento de 15% na passagem de ônibus, o prefeito apontou que "até 2022 havia uma parceria com o Governo do Ceará que aportava mais R$ 3 milhões" para custear o subsídio. "Porém, chegamos em março de 2023 e, até agora, esse recurso do Estado não chegou".

A acusação de que o Governo do Ceará suspendeu o repasse não ficou sem resposta. Nas redes sociais, Elmano disse que "o Governo do Estado ajuda a manter o transporte público da capital há muitos anos com cerca de R$ 30 milhões/ano, através da redução em 66% na base de cálculo do ICMS do Diesel". "O que não posso admitir é distorção de fatos para confundir a população e desviar o foco de suas responsabilidades", disse o petista.

Para a professora de graduação e pós-graduação em Direito da Unifor e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Mariana Dionísio de Andrade, ainda é prematuro apontar se esses impasses podem, de fato, afetar a administração pública. Contudo, para ela, esse choque político entre Elmano e Sarto era previsível.

“O grande desafio da gestão pública sempre foi e sempre vai ser a manutenção da articulação entre os atores políticos. Até as alianças eleitorais costumam ter um prazo de validade porque interesses políticos podem mudar de acordo com as necessidades de cada gestão, então o embate é algo relativamente previsível”
Mariana Dionísio de Andrade
Professora de Direito da Unifor e doutora em Ciência Política pela UFPE

“Ainda assim, é prematuro pensar que as discussões mais acaloradas podem afetar as parcerias entre Estado e Município porque o funcionamento da administração pública envolve essa relação continuada pelo próprio pacto federativo”, acrescentou.

Com o prefeito e o governador em rota de colisão a cerca de um ano e meio das eleições municipais de 2024, Mariana avalia que as tensões devem se intensificar até o pleito.

“Dificilmente o cenário mudará nas eleições majoritárias de 2024, então há grandes chances de vermos uma forte oposição vinda de todos os lados contra o PT, porque a cisão que aconteceu ano passado entre PT e PDT, além de ter colocado em lados opostos o ex-prefeito Roberto Cláudio e o atual governador Elmano de Freitas, também expôs a vulnerabilidade nas relações com os outros partidos”, disse. 

Prefeito x Governador

O embate entre um prefeito de Fortaleza e o governador do Ceará, no entanto, não é inédito na história política do Ceará. Na verdade, historicamente, as posturas divergentes dos gestores municipais e estaduais são mais comuns que a aliança.

Primeira prefeita da Capital na redemocratização, Maria Luiza Fontenele fazia forte oposição ao então governador Tasso Jereissati (PSDB) até 1988, quando comandou a Capital. Com a eleição de Ciro Gomes (PDT), lançado pelo tucano, houve uma aproximação entre Município e Estado até 1990.

Contudo, o próprio Ciro passou a ver a Prefeitura ser chefiada por um opositor quando foi eleito governador, já que em seu lugar na Capital ficou um ex-aliado: Juraci Magalhães. As duas gestões seguiram em lados opostos quando Juraci assumiu novamente como chefe do Executivo municipal em 1997. À época, o Estado era comandado novamente por Tasso.

O prefeito seguiu na oposição diante do governador seguinte, Lúcio Alcântara. Com a eleição de Luizianne Lins (PT), o arranjo de forças não mudou. A petista, que assumiu em 2005, só passa a ter um alinhamento com o Governo do Ceará quando Cid Gomes (PDT) vence as eleições de 2006, com seu apoio.

Prefeitura e Estado pós-2006

Desde a eleição de Cid Gomes, as relações entre Prefeitura e Governo do Estado se estabilizaram até 2012. À época, Cid e Luizianne discordaram sobre o nome governista a ser indicado para disputar a sucessão da petista na Prefeitura, o que foi o estopim para o rompimento entre os dois aliados. 

Assim, nos últimos meses de mandato da petista, a gestora municipal e o estadual voltaram a ocupar lados opostos. Contudo, com a eleição de Roberto Cláudio (PDT) como prefeito da Capital, Cid completou seu mandato tendo um aliado como prefeito de Fortaleza. Com a troca de comando no Executivo estadual, a aliança se manteve.

Camilo Santana, que ganhou projeção política na esteira do grupo liderado por Cid Gomes, assim como Roberto Cláudio, sempre manteve boa relação com o prefeito enquanto esteve no comando do Governo do Estado, mesmo quando o PT lançou nomes de oposição ao pedetista.

Um novo distanciamento – sem que houvesse um rompimento – na relação entre Estado e Prefeitura ocorre novamente em 2022, quando a governadora Izolda Cela e o prefeito José Sarto ocuparam lados opostos na disputa interna do PDT sobre quem deveria ser o candidato da sigla para o Governo do Estado.

Sarto apoiou o nome do antecessor, Roberto Cláudio, ao mesmo tempo em que Izolda se cacifava para a disputa. Com a queda de braço interna na sigla, os dois correligionários tiveram um distanciamento, mas sem qualquer embate ou divergência administrativa pública.