O assassinato e a decapitação de um funcionário do Instituto Dr. José Frota (IJF), na terça-feira (23), deflagrou um novo embate entre o prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT), e o governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT). A troca de acusações entre os dois tem como tema central a segurança pública, mas traz como plano de fundo a disputa eleitoral deste ano. Prova disso é que o episódio também provocou a reação de outros pré-candidatos à Prefeitura da Capital, que criticam justamente o caso ter virado motivo de discussão entre os dois gestores.
Para analistas políticos ouvidos pelo Diário do Nordeste, as trocas de acusações sobre segurança pública entre pré-candidatos e os ataques entre os grupos governistas e as oposições no Ceará tendem a crescer nos próximos meses. O assunto deve ser um dos mais debatidos na campanha eleitoral deste ano e pode ser decisivo para o eleitor diante da urna, apontam os pesquisadores.
Desde o ano passado, várias pesquisas indicam que o tema da segurança pública vai ser central na disputa em Fortaleza em 2024. Isso se deve a vários motivos: territorialização do crime, avanço das facções, chacinas frequentes, percepção de aumento da violência… É um tema muito presente, que vai estar na pauta de qualquer candidatura majoritária e se tornou a grande preocupação, não apenas nas periferias de Fortaleza, mas também nos bairros de classe média e classe alta”
Da segurança pública para a política
Nesta terça-feira, minutos após o crime ocorrer, Sarto foi o primeiro a se manifestar e atribuiu o episódio ao crime organizado. Ele criticou “a paralisia do Governo do Estado no combate às facções”, apontando que “não parece ser apenas incompetência, mas também cumplicidade”. A postura do prefeito não é inédita, principalmente nos últimos meses, quando ele passou a cobrar mais frequentemente o Governo do Estado por ações na área da segurança.
É inaceitável a violência em Fortaleza continuar do jeito que está. Hoje mais uma vez vivemos momentos de horror. Dois assassinatos brutais. A paralisia do Governo de Estado no combate às facções não parece ser apenas incompetência, mas também cumplicidade.
— Sarto (@sartoprefeito12) April 23, 2024
Em coletiva de imprensa, Elmano reagiu e subiu o tom contra o prefeito O petista disse ser “de se lamentar” a conduta do chefe do Executivo municipal. Segundo Elmano, Sarto foi “irresponsável e oportunista”, por buscar “criar um fato político em cima de uma tragédia” ao dizer que o crime ocorreu por conta da atuação de facções. Nas redes sociais, ele voltou a tratar do assunto e disse que o prefeito está “pensando unicamente na reeleição”.
Logo após a fala do petista, o Diário do Nordeste procurou a assessoria de imprensa do prefeito José Sarto e questionou se o mandatário iria se manifestar sobre as declarações de Elmano, contudo, não houve resposta.
Ao longo do dia, as investigações indicaram que o assassinato foi um "crime passional" praticado por um ex-funcionário da unidade municipal identificado como Francisco Aurélio Rodrigues de Lima, 41 anos. O homem foi preso no fim da tarde de terça-feira, no distrito de Patacas, em Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza.
Embates sobre segurança pública
Para a professora de graduação e pós-graduação em Direito da Unifor e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Mariana Dionísio de Andrade, como a sensação de insegurança atinge todas as classes sociais, os debates em torno do assunto tornam-se caros aos atores políticos.
“Embora a gestão da segurança pública seja atribuição privativa do Governador, é tradição que o tema se torne um dos mais presentes durante as campanhas eleitorais. Isso se justifica porque a sensação de insegurança diz respeito a todas as camadas da sociedade e, invariavelmente, muitos eleitores se identificam com o assunto. Para um político em campanha, nada pode ser mais oportuno que alcançar um tema popular, ainda mais, em um cenário com notícias frequentes de violência”
A pesquisadora relembra que, nas eleições para o Governo, Tasso Jereissati (PSDB), no início dos anos 1990, “já prometia erradicar a pistolagem no Ceará”. Ciro Gomes e Lúcio Alcântara também falavam em uma “nova era de modernização da segurança pública”.
“Nas eleições para prefeito, Moroni Torgan foi um dos candidatos mais alinhados à ideia de que o discurso da segurança pública conquistaria os eleitores (...) Depois dele, Vitor Valim, em Caucaia, e Acilon Gonçalves, no Eusébio. Capitão Wagner também assumiu o posto de defensor da segurança para o cidadão, quando propôs, em campanha, a instalação de centros de inteligência e maior acesso às armas para a população. Agora, José Sarto, atual prefeito, toma para si a mesma retórica de defesa. É uma tentativa de municipalização da pasta por motivos eleitoreiros”, acrescenta.
Pré-candidatos
Além de Sarto, outro pré-candidato que reagiu ao caso foi o ex-deputado Capitão Wagner (União). Ele usou as redes sociais para criticar os episódios de violência na Capital.
“Enquanto o prefeito coloca a culpa no governador, e o governador no prefeito, a insegurança tomou conta de Fortaleza…Ei! Não aceite essa conversa que a Prefeitura não tem responsabilidade com a segurança pública, tem sim! A começar pelos prédios públicos do município”, escreveu.
Correligionário de Elmano e pré-candidato do PT à Prefeitura de Fortaleza, Evandro Leitão também comentou o caso durante entrevista à imprensa.
“(O suspeito) estava em um equipamento público municipal e houve uma falha da segurança, é fato, não estou querendo fazer disso um cavalo de batalha, mas o fato é que uma vida se perdeu por uma falha, clara, muito clara, da segurança”, disse o parlamentar, que presidente a Assembleia Legislativa do Ceará (Alece).
Pré-candidato pelo PL, o deputado federal André Fernandes criticou a postura dos gestores municipal e estadual de trocarem acusações públicas. Pré-candidato do Novo, o senador Eduardo Girão endossou a fala dos futuros adversários na campanha eleitoral.
“No meio de uma tragédia dessas, estão querendo jogar a culpa um no outro. Olha, pelo amor de Deus, não existe criminoso do Governo ou da Prefeitura, o importante é que se resolva o problema e pare com essa briga política”, disse.
Debate político
Para o cientista político Cleyton Monte, quando a violência vira o centro do debate político e eleitoral, a tendência é que candidaturas apoiadas pelo Governo do Estado sejam “prejudicadas”.
“Constitucionalmente, o Governo é responsável pela segurança pública. Mas, pensando de uma forma difusa, a população entende que quem está no poder, seja Governo ou Prefeitura, também tem sua cota de responsabilidade. Estamos vendo muito isso quando essas tragédias acontecem, a população se divide entre culpar o governador e o prefeito”, avalia.
“Quem se ‘beneficia’ com esse tema é quem trata dele, aí você tem o Capitão Wagner e o André Fernandes, que pontuam esse tema de uma forma mais clara, mas vai depender muito de como eles vão apresentar a pauta, porque é uma pauta complexa e acontece, muitas vezes, de ser tratada de forma superficial, demagógica e populista, com soluções fáceis”, conclui.