Embora a provável candidatura presidencial do ex-juiz Sergio Moro (Podemos) possa representar disputa direta pelo apoio de grupos que sustentaram a candidatura do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 2018, essa não é a primeira impressão de quadros políticos conservadores no Ceará após o ato de filiação do ex-ministro ao Podemos, nessa quarta-feira (10).
Nas redes sociais, aliados do presidente demostraram fidelidade ao chefe do Executivo na disputa pela reeleição no ano que vem.
Dizendo ser "fã" do trabalho do ex-juiz ainda em 2019, o deputado estadual André Fernandes (Republicanos) fez questão de reafirmar, dois anos depois, o apoio a Bolsonaro em 2022.
"Para o partido que Jair Bolsonaro for, eu também irei. Mesmo que seja o PL? Sim! Inclusive já aviso que em 2022 vamos votar no 22! Tô com Bolsonaro e não abro!", escreveu no mesmo dia da filiação do ex-ministro da Justiça.
O vereador de Fortaleza Carmelo Neto (Republicanos) é outra liderança da direita que se mantém com o presidente. O parlamentar, inclusive, minimizou a potencialidade eleitoral do ex-ministro.
"O Moro não deve conseguir o eleitorado conservador do Brasil porque o eleitor conservador já está alinhado, fechado com o presidente Jair Bolsonaro justamente pelo presidente defender tão bem esse conjunto de princípios, de valores, que o presidente em 2018 se propôs a defender na Presidência da República", declarou.
Elogiado por Bolsonaro em eventos que participou no Ceará, o deputado federal Capitão Wagner (Pros) afirmou que a filiação de Moro ao Podemos — partido comandado pelo principal aliado do parlamentar no Estado, o senador Eduardo Girão — não deve mudar as articulações e estratégias para o ano que vem.
"Não muda nada. Devo ir para o União Brasil (resultado da fusão do PSL e do DEM) e serei candidato a governador por lá", afirmou.
O presidente da República já fez indicações de que quer Wagner no palanque dele no Estado. É a aposta de uma aliança com mais envergadura eleitoral em relação ao pleito de 2018, quando o desempenho nas urnas foi tímido entre os cearenses.
Aproximação
Do grupo político que faz oposição à direita ao governador Camilo Santana (PT), apenas o senador Eduardo Girão (Podemos) mostrou entusiasmo com a possível candidatura ao Planalto do ex-juiz. O cearense esteve presente no ato de filiação do ex-ministro.
"Penso que (com) uma eventual candidatura do ministro Sergio Moro à Presidência da República, independente do resultado do pleito, quem ganha é o Brasil. Ele personifica o resgate de valores inegociáveis para a Nação e que, ultimamente, têm sido devastados pela ação e omissão dos três poderes da República: a defesa da ética, além do enfrentamento à corrupção e impunidade", disse o parlamentar cearense.
Participei do ato de filiação do ex-ministro @SF_Moro ao @podemos19. Em seu discurso sereno e forte, ele ressaltou a necessidade de diálogo p/ unir o país, a importância de enfrentar a corrupção, o retorno da prisão em 2ª instância, o fim da reeleição e do foro privilegiado. pic.twitter.com/oHczL5aoNG
— Eduardo Girão (@EduGiraoOficial) November 10, 2021
Girão, apesar de se colocar como independente, atuou em diversas situações como defensor de posicionamentos governistas. Em meio a essa aproximação, é um dos poucos do grupo de direita no Estado que sinaliza simpatia à eventual candidatura de Moro.
"Quem sabe Moro termine o trabalho que começou liderando o renascimento da operação Lava Jato, um patrimônio imaterial do povo brasileiro, símbolo internacional positivo do nosso País no enfrentamento ao crime organizado. O grande desafio será a escolha de um vice também com valores e princípios do brasileiro, evitando cair em armadilhas da má política com alianças que podem mais atrapalhar do que ajudar", pontuou.
Rompimento
O distanciamento de cearenses aliados de Bolsonaro à candidatura de Sergio Moro ocorreu exatamente no desalinhamento entre o ex-ministro e o presidente da República.
Parlamentares demonstravam apoio à escolha do ex-juiz para o primeiro escalão presidencial. A saída dele em abril do ano passado, porém, passou também a desagradar aliados de primeira ordem do chefe do Executivo.
André Fernandes se dizia "fã" do ex-juiz, em publicação de novembro de 2019 — menos de um ano em que o ex-magistrado havia sido nomeado ministro da Justiça.
Parabéns Ministro! É isso aí, zero moral para BANDIDOS! Hahaha
— André Fernandes (@andrefernm) November 9, 2019
Cade vez mais fã do seu trabalho! 👏🏻🇧🇷
O deputado, no entanto, mudou o discurso no episódio da demissão do então ministro.
Me desculpe, mas discordo de quem diz que Bolsonaro deu um tiro no próprio pé. Se houve "tiro no pé de Bolsonaro", quem deu foi Sergio Moro ao abandonar o barco em um momento tão crítico.
— André Fernandes (@andrefernm) April 24, 2020
Sérgio Moro será candidato em 2022 e já começou sua campanha.
Sim, estou triste com isso!
Projeções
Embora as lideranças políticas de direita no Ceará não indiquem no primeiro momento que abandonarão a candidatura de Bolsonaro em detrimento de Moro, o cientista político e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cleyton Monte, acredita que a guerra de discursos semelhantes entre ambos possa dividir votos dos eleitores mais conservadores.
"Um dos discursos que Bolsonaro vem utilizando bastante é dizer que em seu governo não teve corrupção. E esse é o principal discurso do ex-ministro Moro. A base dele, que é a ideia da Lava Jato, de combate à corrupção, pode chocar com os interesses do presidente Bolsonaro e ele pode perder uma fatia importante do eleitorado", observa o professor.
Já o sociólogo Jonael Pontes, também da Universidade Federal do Ceará, não descarta a possibilidade de que lideranças mudem de lado, na medida que o cenário político-eleitoral eventualmente mudar.
"Moro tem bastante potencial político porque ele vai usar a bandeira da Lava Jato, vai construir a bandeira de salvador, vão querer colocar novamente Moro como herói. Na minha concepção, Eduardo Girão e Capitão Wagner estão de olho nesse xadrez", reforça.
Para o pesquisador, "essas escolhas são muito bem calculadas". "A gente não pode achar que as escolhas políticas acontecem apenas no campo da camaradagem. Existe um cálculo por traz disso. Política também é matemática", afirma.