Com a relação rompida desde as eleições de 2022, o senador Cid Gomes (PSB) e seu irmão, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), encararam as primeiras eleições municipais em lados opostos neste ano.
Diante do resultado das urnas e dos efeitos do racha entre os irmãos dois anos depois, o PontoPoder conversou com o cientista político Cleyton Monte, que também é professor universitário e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Ele pesquisa há anos sobre a formação do grupo político, suas estratégias para se manter no poder, as alianças construídas ao longo das décadas e, agora, o fim do ciclo.
Na conversa com a reportagem, ele traçou um histórico do início do grupo, ainda em 2006, com a candidatura de Cid Gomes ao Governo do Ceará, falou sobre o auge da liderança dos irmãos Ferreira Gomes, entre 2012 e 2018, além dos primeiros desgastes, em 2020, e do fim do ciclo, em 2022.
O pesquisador comentou sobre os rumos de Sobral, berço político de Cid e Ciro, que passou para as mãos de um opositor quase 30 décadas depois de uma hegemonia iniciada por Cid. Ele também analisou o futuro dessas lideranças, já que seus filhos e netos não têm se apresentado para disputar cargos públicos.
Confira a entrevista completa:
Diário do Nordeste: Como nasce essa força política do grupo Ferreira Gomes?
Cleyton Monte: O nascimento se dá a partir das articulações para eleição do Cid Gomes para governador do Estado, lá naquele período de 2005 e 2006. A partir daquele momento, as figuras ligadas aos Ferreira Gomes passam a constituir um grupo que nasce a partir da influência do Tasso Jereissati, mas é autônomo, desvinculado do Tasso. E isso começou a acontecer a partir da articulação para a eleição do Cid, em 2005, quando eles formaram uma aliança grande, poderosa, com o nome de vários partidos. E eu digo que o grande artífice, o grande maestro dessa aliança, foi o Cid Gomes, que conseguiu agregar diferentes aliados e criar um mecanismo de compartilhamento de poder, que ele colocou em ação na sua gestão, e trazer os nomes mais diversos, como Camilo Santana, Roberto Cláudio, Salmito Filho e vários deputados. Esse grupo cresceu na gestão do Cid e também na gestão do Camilo.
Principalmente durante o primeiro Governo, Camilo fez parte do grupo dos Ferreira Gomes. Ele seguia a influência do Cid e do Ciro. Esse grupo viveu o seu auge no período de 2012 a 2016, até 2018, em que conquistou muitas prefeituras, deputados estaduais e federais, e passou a sofrer desgastes, cisões e rompimentos a partir de 2020. Em 2022, aconteceu o grande desmoronamento do grupo dos Ferreira Gomes, porque eles passaram a se dividir.
Um grupo, quando se divide, perde a unidade e, ao perder a unidade, ele perde a força. O Ciro foi para um lado, o Cid e o Ivo foram para outro, e eles passaram a seguir caminhos diferentes. O Cid mais próximo do Governo do Estado, do camilismo, que já é um outro grupo, e o Ciro buscando constituir um outro grupo político. Eles marcharam separados agora, na eleição de 2024, e perderam territórios importantes, como Sobral.
Para um grupo político, a escolha de um município como base, como reflexo da sua gestão, é fundamental. Sobral talvez tenha sido aquilo que, até o fim, unificou o grupo, tanto é que o Ciro não fez críticas à campanha da Izolda Cela lá em Sobral. Ele disse que não ia fazer campanha contra os irmãos (Cid e Ivo) porque ele entendia que aquele espaço deveria ser preservado. Apesar de tudo isso e de todas as alianças, eles perderam Sobral e perderam espaço em municípios importantes, como Iguatu. Eles também reduziram muito a sua influência. Por quê? Porque o Cid é uma figura importante no PSB, só que, diferentemente de outros partidos que ele liderou, no PSB ele não tem o comando exclusivo do partido. O PSB elegeu 65 prefeitos agora, mas o partido tem outras lideranças, como o Eudoro Santana e, através do Eudoro Santana, o próprio Camilo Santana (seu filho).
Então, esse grupo político dos Ferreira Gomes não é mais um grupo político, ele é constituído de diversas lideranças que têm posicionamentos diferentes, que marcham distintamente, a maior parte delas buscando uma relação de proximidade com o governador do Estado e com o Camilo.
DN: O racha em 2022, que terminou com os dois irmãos rompendo, pode ser interpretado como um começo do fim ou faz parte do desgaste natural?
Cleyton: Antes mesmo de 2022 já temos desavenças envolvendo o PDT, o PT e o Ciro. A partir do momento que você tem desavenças entre o Ciro e lideranças importantes do PT, eu diria que 2022 foi a gota d'água, foi o ponto sem volta (do grupo dos Ferreira Gomes), foi o derradeiro fim desse grupo político. Tanto é que a derrota agora em Sobral não foi do grupo Ferreira Gomes, no sentido de que nem seria mais grupo. O que você tinha ali (em Sobral) eram as forças do Governo do Estado atuando através do Camilo, do Cid e dos deputados. Então, eu diria que 2022 e todo esse movimento de rompimento e desgaste foi a pá de cal no fim desse ciclo político dos Ferreira Gomes.
O que temos hoje é o Cid buscando ser relevante no mapa político, diferente do Ciro, que já disse dezenas de vezes que não se vê mais como uma figura importante no Ceará. A gente viu isso agora na votação do Sarto em Fortaleza, que ele nem fez questão de participar dessa campanha. O Ciro tinha dito no lançamento da candidatura do Sarto que iria percorrer todas as ruas, todos os espaços de Fortaleza, para mostrar o potencial da campanha do Sarto, e ele não fez isso.
Dos irmãos, quem ainda está buscando essa relevância para continuar sendo importante e decisivo é o Cid, não com os mesmos recursos que ele tinha antes, porque o poder de um grupo está diretamente ligado aos seus resultados, ao seu tamanho, ao seu volume de decisão.
DN: Ciro Gomes perdeu a eleição de 2022, inclusive no Ceará, e agora teve essa derrota do Sarto. Qual balanço é possível fazer hoje para ele? Há alguma perspectiva de reascender?
Cleyton: Eu não vejo nem esforço do Ciro nesse sentido. Parece-me que, com o pós-eleição de 2022 — quando ele teve aquele resultado sofrível no Brasil inteiro, inclusive no Ceará —, ele começou a se desvencilhar desse jogo político, e ele deixa isso claro. No começo, todo mundo dizia que isso era blefe, que ele ia voltar para o jogo político, mas eu não vi uma grande participação do Ciro, aquele o animal político, atuando nas campanhas do PDT. Eu achei a participação dele muito discreta, não só no PDT do Ceará, mas no PDT nacional, e as perspectivas dele estão muito ligadas ao papel que o PDT terá no Governo Lula.
O PDT faz parte da base do Governo Lula, inclusive tem um Ministério, então ele adota o tom de neutralidade, de autonomia do PDT, mas é muito difícil você ser neutro e ter autonomia fazendo parte do governo. A situação dele é muito difícil, eu acho que as perspectivas para ele, em termos de cargos majoritários, foram drasticamente reduzidas, ele mesmo já disse que não quer disputar nenhum cargo eletivo. A função dele é ser esse polemista, como ele mesmo diz, se tornou um digital influencer. Eu não vejo mais ele sendo uma figura decisiva no jogo eleitoral, e as apostas que ele fez no Ceará não tiveram resultados positivos — em Fortaleza, ele perdeu; em São Gonçalo do Amarante, que ele participou da campanha, perdeu; em Caucaia, perdeu. Ainda tem Juazeiro do Norte (onde Glêdson Bezerra foi reeleito com apoio de Ciro), mas é uma frente tão ampla, e não teve uma articulação dele, é um outro cenário. É “forçar a barra” atribuir a vitória do Glêdson Bezerra a um movimento do Ciro.
Eu acho que ele entrou muito mais na campanha (de Juazeiro do Norte) para demarcar uma oposição ao Camilo. Eu vejo as perspectivas para ele como mínimas, reduzidas, e eu não vejo um esforço dele no sentido (de mudar). Por exemplo, “ah, eu vou liderar o PDT”, porque ele é vice-presidente nacional do PDT. “Vou liderar um novo projeto, uma nova visão, uma nova estratégia”, que ele gosta muito desse discurso, mas eu não vejo isso nesse momento e, claro, isso limita os resultados, limita o potencial dele como líder político.
DN: Já o Cid teve essa derrota em Sobral, onde ele entrou de cabeça na campanha. Por outro lado, ele conseguiu eleger 65 prefeitos. Podemos dizer que o saldo é positivo ou negativo?
Cleyton: O Cid, como você bem disse, foi uma peça central em várias candidaturas do PSB no Ceará. Ele participou do lançamento, articulou várias candidaturas que, inclusive, se colocavam contra o Palácio da Abolição. Ele fez um esforço para manter essas candidaturas, mas o resultado desse pleito para o Cid foi mediano. Não foi sofrível como o Ciro, que praticamente perdeu tudo, mas ele (Cid) perdeu aquilo que ele mais desejava, que era a continuidade da Prefeitura de Sobral com uma figura que tem a influência ligada a ele. A Izolda Cela é uma cria do Cid, então é uma derrota que foi mais pesada. O que temos que ver, até para responder melhor a sua pergunta, é qual vai ser o espaço que o Cid vai ter de fato no PSB. Esses prefeitos que chegaram para o PSB, eles chegaram para se aliar ao Cid ou para estar mais próximo do Palácio da Abolição e acabaram utilizando o Cid como essa ponte? É isso que vamos perceber nos próximos meses e tirar o real papel e a força do Cid na política cearense.
DN: E quanto ao Ivo Gomes? Ele não conseguiu eleger a sucessora e ainda sofreu muito desgaste por conta da Taxa do Lixo. Ele pode ser um nome para seguir esse legado?
Cleyton: Eu acho que todo político, quando sofre uma derrota, vive uma espécie de luto com o eleitorado. É aquele momento em que ele diz que não quer mais, que vai fazer outra coisa da vida… Ele é servidor público, mas eu não o vejo (fora da política). Tem as questões de saúde, que ele já enfrentou, tem as questões familiares, que foram muito desgastantes, então eu não sei até que ponto — porque a política também tem esse cunho pessoal, principalmente para eles que são uma família — esses desgastes vão resultar em um afastamento, porque eu não vejo o Ivo fora da política.
Eu o vejo como um gestor experimentado, maduro, uma figura que tem trânsito em diferentes áreas e um potencial candidato a deputado federal. Ele tem muita articulação e a derrota deles em Sobral está muito ligada a questões circunstanciais — claro que é o desgaste de um ciclo de quase 30 anos, mas também a questões circunstanciais de uma taxa, de um movimento daquele momento. Não foi uma derrota de lavada, digamos assim, não foi uma surra nas urnas, é algo que pode ser recomposto. Por isso, eu não vejo o Ivo fora da vida política cearense, mas isso aí temos que aguardar.
DN: E qual o papel que pode ter a Lia Gomes?
Cleyton: A Lia talvez lidere a oposição em Sobral. Ficou muito claro, na campanha, que ela vai ser a figura, não sei se já prevendo de ela ser a candidata numa próxima disputa, de ela ser o nome desse grupo à Prefeitura de Sobral, mas a vejo como um nome de oposição à gestão do Oscar Rodrigues. Eu vi que ela incorporou esse embate, essa luta, ela respondia, ela ia para cima, então eu vejo a Lia como uma personalidade, que está no primeiro mandato, não vejo ela longe da vida política, diferente dos irmãos que têm uma longa trajetória.
DN: No caso dos Ferreira Gomes, percebemos uma quebra na descendência, não há filhos ou netos seguindo na política, mas sim aliados da política. Essa característica de "quebra na descendência" explica a crise no grupo? Isso é comum em grupos políticos ou é algo característico dos Ferreira Gomes?
Cleyton: Eu penso que esse desgaste é natural, são muitos anos. É um grupo que foi poderoso durante muito tempo, ultrapassando, inclusive, o tempo do Tasso. Teve muitas prefeituras, teve quase o controle completo da Assembleia Legislativa e três governadores. Eu vejo que isso faz parte de um ciclo de desgastes.
Você tem na história política cearense vários ciclos que vão se sobrepondo. Então, o ciclo com força hoje é do Camilo. O papel hoje do Cid é um papel, nesse momento, muito mais secundário, de estar ali agregando àquelas pessoas que estão ligadas a ele, mas não é de definição. Isso faz parte da política, a gente já viu outras famílias e outros grupos que se constituem e que se desfazem.
Pelo que eu conheço da família e dos descendentes deles, eu não vejo nenhuma figura. Os filhos do Ciro são muito distantes da vida política, eu não vejo nenhuma figura ligado diretamente a eles representando esse legado. Eu não tenho conhecimento de alguém que possa dar continuidade, no sentido de um nome da família.