Ceará cria leis de combate à violência contra a mulher, mas efetivação é desafio

Boa parte dos projetos de lei aprovados sequer foram sancionados e ainda não foram colocados em prática

O caso envolvendo as agressões praticadas pelo músico Dj Ivis contra a ex-esposa, Pamella Holanda, em Fortaleza, traz à tona questionamentos sobre a proteção legal às mulheres contra a violência e sobre de que formas a legislação tem avançado para além da Lei Maria da Penha e da Lei do Feminicídio

No Ceará, dezenas de projetos de lei que beneficiam mulheres vítimas de violência foram apresentados e alguns aprovados na Assembleia Legislativa e na Câmara Municipal de Fortaleza, na atual legislatura. Apesar da existência dessas propostas, nem todas saem do papel e são efetivamente implementadas.

Assembleia Legislativa

Uma consulta feita pelo Diário do Nordeste no portal da Assembleia Legislativa mostra 11 projetos de lei que foram aprovados pelos deputados estaduais, de 2019 até agora, relacionados às mulheres e às questões de violência de gênero.

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Projetos de lei aprovados na Assembleia Legislativa, nesta legislatura, relacionados às mulheres

Um dos projetos, de autoria da deputada Érika Amorim (PSD) em conjunto com a deputada Augusta Brito (PCdoB), decreta a prioridade de atendimento às mulheres vítimas de violência nas unidades de saúde da rede pública e privada do Estado.

A proposta foi aprovada no último dia 27 de abril e tem o objetivo de garantir assistência médico-hospitalar e minimizar os agravos resultantes da violência. A lei foi sancionada pelo governador Camilo Santana (PT) em maio.

Em 2020, foi aprovado outro projeto na Assembleia que determina que condomínios residenciais comuniquem aos órgãos de segurança pública a ocorrência ou indícios de violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente e/ou idoso, quando houver registro da violência no livro de ocorrências.

A proposta foi apresentada pelo deputado Leonardo Pinheiro (Progressistas) em conjunto com a deputada Augusta Brito e entrou em vigor no Estado ainda no ano passado.

"Acredito que uma das formas de efetivar os projetos, não só os que tratam sobre as mulheres, mas de uma maneira geral, seja a implementação de políticas públicas pelo Poder Executivo e a cobrança aos órgãos competentes para a efetivação das leis aprovadas na Assembleia Legislativa e já sancionadas"
Augusta Brito
Deputada

Entre outros projetos, os parlamentares estaduais também aprovaram proposta da deputada Augusta Brito, no ano passado, que garante a matrícula dos dependentes de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar nos estabelecimentos da rede estadual de ensino mais próximos de seu domicílio.

Câmara Municipal

Na Câmara Municipal de Fortaleza, de acordo com pesquisa feita no Sistema de Apoio ao Processo Legislativo, 20 matérias foram apresentadas, neste ano, sobre pautas relacionadas às mulheres, a maior parte delas trata do combate à violência.

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Propostas em tramitação na Câmara Municipal de Fortaleza em 2021 relacionados às mulheres

Um dos projetos, de autoria do vereador Wellington Saboia (PMB), é para criar um serviço permanente de denúncia de violência contra a mulher via número de aplicativo Whatsapp institucional da Prefeitura de Fortaleza.

Outra proposta em tramitação na Câmara, apresentada pelo vereador Carmelo Neto (Republicanos), visa criar um programa de prevenção e combate à violência contra a mulher, chamado "Marca para a vida", que estabelecerá um código padrão a ser utilizado por mulheres em situação de perigo.

Também tramita projeto de lei, apresentado pelo mandato coletivo do Psol "Nossa cara", com o objetivo de criar o Dossiê Mulher Fortalezense.

Esse documento, de acordo com a proposta, vai reunir dados das secretarias de Saúde, Assistência Social e Direitos Humanos, que serão analisados pela Prefeitura para ajudar a elaborar estatísticas periódicas sobre as mulheres atendidas pelas políticas públicas do município.

O vice-líder da Prefeitura na Câmara Municipal, vereador Léo Couto (PSB) ressalta que os projetos apresentados são discutidos. Ele pontuou o enfoque a partir do caso do DJ Ivis.

"Todos os projetos e são muito projetos, são discutidos. Mas, sendo mais objetivo, está surgindo devido ao caso que ocorreu, que foi exposto no final de semana. Fica difícil ter uma defesa diante das imagens e de fatos. O que falta bastante é informação, é o medo da mulher de denunciar essas agrressões não só físicas, como psicológicas", afirmou.

Bancada federal

Já na Câmara Federal, de 2019 para cá, tramitam pouco mais de 110 projetos de lei relacionados às mullheres que foram apresentados por deputados federais cearenses. 

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Propostas em tramitação na Câmara Federal apresentados por deputados cearenses, nesta legislatura, relacionadas às mulheres

Um dos projetos, de autoria do deputado federal Célio Studart (PV), torna as punições mais severas em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, triplicando a pena, no caso de uma segunda reincidência.

O deputado Domingos Neto (PSD) também apresentou projeto de lei que prevê que imagens de câmeras de segurança possam ser usadas para configurar o delito. Com isso, acusados poderiam ser presos em flagrante quando a autoridade policial obtiver vídeos do crime.

Trata-se de um instrumento de defesa e segurança da vítima em casos assim porque permite a prisão imediata do agressor, garantindo a punição em flagrante e resguarda a integridade da vítima que quer denunciar, mas vê o agressor em liberdade
Domingos Neto (PSD)
Deputado federal do Ceará

Falta efetividade

Apesar da existência e aprovação das leis, nem todas saem do papel e não são efetivamente implementadas pelo poder público. Algumas leis sequer foram sancionadas ainda para começar a valer.

Para a doutoranda em Direito das Mulheres, Jéssica Teles de Almeida, boa parte da legislação é mais simbólica e a efetivação das leis como políticas públicas depende de outros fatores.

O caminho de um projeto de lei para se tornar lei e para efetivação passa por várias coisas. A legislação é simbólica, de um grupo, de uma pauta específica, mas, quando passa para a implementação, envolve o Executivo, desenho de política pública, instituição e aí fica sem execução. Para executar uma política pública, primeiro tem que torná-la meta de governo ou de secretaria do ponto de vista administrativo
Jéssica Teles de Almeida
Doutoranda em Direito das Mulheres

A vereadora de Fortaleza, Adriana Gerônimo, do mandato coletivo "Nossa Cara" (Psol), defende o papel de cada Poder e da sociedade na tarefa de fazer com que as políticas públicas de combate à violência contra a mulher sejam colocadas em prática.

A gente precisa, enquanto legislador, fortalecer os equipamentos, como a Delegacia da Mulher, e a gente entende que é papel da sociedade civil organizar, monitorar para que as políticas de prevenção à violência saiam do papel. O Executivo precisa encarar esse problema e pautar a vida da mulher em todas as frentes
Adriana Gerônimo (Psol)

O vice-líder Léo Couto ressaltou mobilização na análise de propostas na Câmara. "Nós estamos de recesso parlamentar, hoje tratei disso com o chefe de gabinete do prefeito, conversei também com o prefeito Sarto. Ele é sensível ao tema, ao caso. Hoje é inadimissível que isso aconteça. Vamos fazer análise dos projetos", disse. 

De acordo com levantamento do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a partir de dados de 2020, o Ceará é o 7º estado do País com mais denúncias de violência contra a mulher. Na categoria violência doméstica e familiar, o Estado contabiizou 2.161 denúncias. Já na categoria "todas as outras violências", o Ceará somou 992 denúncias. 

A reportagem procurou também o líder do Governo na Assembleia Legislativa e aguarda pronunciamento sobre o processo de efetivação das leis junto ao Poder Executivo.