Advogado confunde 'O Pequeno Príncipe' com 'O Príncipe' ao defender réu no STF e Moraes critica

Durante julgamento pelos atos de 8 de janeiro, defensor de Thiago de Assis Mathar ainda atacou ministros do STF. Ele foi expulso de partido

Durante o segundo dia de julgamento dos primeiros réus dos ataques de 8 de janeiro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, criticou o advogado Hery Waldir Kattwinkel, que defendeu Thiago de Assis Mathar. Na sessão desta quinta-feira (14), o profissional confundiu o livro infantil “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry, com o livro de teoria política “O Príncipe”, escrito por Nicolau Maquiavel.

O segundo dia de julgamento no STF resultou na condenação dos três primeiros réus.

Além da gafe, Kattwinkel proferiu ataques aos ministros do STF. Ao encerrar seu tempo de sustentação oral, o advogado citou uma frase descontextualizada de Luís Roberto Barroso, de que "eleição não se ganha, se toma". A provocação motivou reações de Barroso e de Moraes, relator do processo, que chamou o momento de "patético".

Barroso esperou o fim da sustentação oral para esclarecer a frase descontextualizada: "Eu jamais disse que 'eleição não se ganha, se toma'. Essa é mais uma fraude", afirmou.

Em seguida, o ministro explicou que a frase mencionada por ele era parte de uma fala em um evento na Câmara dos Deputados, em que Barroso, na verdade, citava uma declaração dada a ele pelo senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR).

"Eu, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, recebi o senador Mecias de Jesus, de Roraima. Ele disse: 'apoio o presidente, porém sou contra o voto impresso. Por duas vezes no meu estado venci eleições no tempo do papel e me tomaram as eleições'. E [Mecias] disse: 'eleição em Roraima não se ganha, se toma'", afirmou Barroso.

O ministro disse que pouco depois dessa conversa esteve em evento na Câmara, para expor a defesa do voto eletrônico. "O [ex-deputado federal] Jhonatan de Jesus [filho de Mecias de Jesus] falou comigo e brincamos que eleição de Roraima não se ganha, se toma. Editaram minha fala. Tiraram contexto de que era uma fala do senador Mecias e tiraram [menção] a Roraima. E divulgaram mundo afora", afirmou Barroso.

"Evidentemente que eleição não se toma, se ganha. De boa-fé ou má-fé, essa é uma mentira que circula repetidamente. Foi até bom o advogado ter perguntado porque me permite esclarecer", disse o ministro.

"Um exemplo do que não fazer", critica Moraes

Depois da fala de Barroso, o ministro Alexandre de Moraes iniciou seu voto, pela condenação do acusado, e aproveitou o momento para criticar a provocação do advogado, que chamou de momento "patético".

"É patético que um advogado suba à tribuna do Supremo Tribunal Federal com discurso de ódio, com discurso para postar depois nas redes sociais. Talvez pretendendo ser vereador do seu município no ano que vem. Digo com tristeza que o réu aguarda que ele venha aqui defender tecnicamente. O advogado não analisou nada, absolutamente nada. Preparou um discursinho para postar em redes sociais", afirmou Moraes.

O advogado foi candidato a deputado estadual no estado de São Paulo, no ano passado. Durante a sustentação, Kattwinkel também comparou o presídio da Papuda, do Distrito Federal, ao Holocausto e disse que Moraes "invertia o papel de julgador".

"Eu vejo que o ministro Alexandre de Moraes inverte o papel de julgador aqui nessa Suprema Corte. Ele passa de julgador a acusador. É um misto de raiva com rancor com pitadas de ódio quando fala dos patriotas. A cena que vi lá [na Papuda] me lembrou muito o Holocausto. Vi muitos pais de famílias de cabelos brancos, como vossas excelências, mulheres, aposentadas, como se bandidos fossem da mais alta periculosidade", afirmou.

Moraes afirmou que a sustentação do advogado era um exemplo do que não fazer em um tribunal. "Os alunos que aqui se encontram, do curso de Direito da Universidade de Rio Verde de Goiás, hoje tiveram aula do que não deve ser feito numa Suprema Corte. Hoje tiveram aula do que advogado constituído não deve fazer para prejudicar o seu constituinte. Ou seja, esquecer o processo e querer fazer uma média com os patriotas. Realmente é muito triste", reagiu. 

O ministro ainda debochou do momento em que o advogado atribuiu erroneamente a frase "os fins justificam os meios" ao livro "O Pequeno Príncipe".

"Esse julgamento está sendo jurídico ou político, a fim de incriminar mais alguém? A fim de um objetivo o qual não conseguimos entender? Porque parece que estão sendo usados, como diz ‘O Pequeno Príncipe’: ‘os fins justificam os meios’, e podemos passar por cima de todos. Maquiavel: ‘os fins justificam os meios’", disse, e se corrigiu, o advogado. 

O Pequeno Príncipe” e “O Príncipe” são obras escritas com quase 400 anos de diferença e tratam sobre assuntos diferentes.

"Só não seria mais triste porque confundiu 'O Príncipe', de Maquiavel, com 'O Pequeno Príncipe', de Antoine de Saint-Exupéry, que são obras que não tem absolutamente nada a ver. Mas, obviamente, quem não leu nem uma, nem outra, vai no Google e às vezes dá algum problema", ironizou Moraes.

Solidariedade expulsa advogado

Após a defesa do réu realizada no STF, o Solidariedade expulsou o advogado Hery Kattwinkel Júnior do seu quadro de filiados, segundo informações da CNN

Segundo o partido, o advogado protagonizou um “grotesco espetáculo de ataques aos ministros do Supremo Tribunal Federal” durante o julgamento em vez de “se limitar a desempenhar as legítimas funções que se espera de um advogado”.

Ainda conforme o Solidariedade, o advogado verbalizou e endossou “discurso de ódio, não raro permeado de fake news, que contaminou parte da sociedade brasileira”.

O partido diz ainda que “logo após a sua lamentável participação no julgamento de hoje, já passaram a circular nas redes sociais do referido filiado diversas mensagens alusivas à sua pretendida candidatura nas eleições do próximo ano” e que, “desta forma, mostra-se uma insuperável incompatibilidade entre a linha de atuação política do Sr. Hery Waldir Kattwinkel Júnior e o partido Solidariedade”.

Na nota divulgada, a sigla disse que "o Solidariedade é um partido político com inabalável compromisso com a defesa do Estado Democrático de Direito e jamais admitirá que qualquer de seus filiados afaste-se desse inegociável princípio com o regime democrático".

Condenação de réus

O segundo dia de julgamento no STF resultou na condenação dos três primeiros réus. Por maioria, o colegiado seguiu o voto do relator e condenou Aécio Lúcio Costa Pereira, Thiago de Assis Mathar e Matheus Lima de Carvalho Lázaro pela prática dos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Para Aécio Lúcio e Matheus Lima a pena imposta foi de 17 anos de prisão, e para Thiago Mathar a sanção foi de 14 anos. Os três foram condenados, ainda, ao pagamento de 100 dias-multa, cada um no valor de 1/3 do salário mínimo. 

Eles ainda terão que pagar indenização a título de danos morais coletivos no valor de R$ 30 milhões, a ser quitado de forma solidária com todos os que vierem a ser condenados.