A revisão do Plano Diretor de Fortaleza está suspensa desde julho do ano passado. Com uma nova gestão à frente do Executivo municipal, existe a expectativa para que as discussões para elaboração da legislação urbanística sejam retomadas ainda neste ano.
O Plano Diretor é uma lei municipal, obrigatória para municípios com mais de 20 mil habitantes. Nele será detalhado como a cidade irá crescer nos próximos dez anos: como e onde será possível construir na cidade soluções para problemas habitacionais e de saneamento e medidas de proteção ambiental, por exemplo.
Contudo, para garantir a participação popular - como regulamentado por legislação federal -, o retorno das discussões depende da imunização da população na capital cearense. Assim, será possível voltar a realizar audiências públicas presenciais em bairros e comunidades, como havia sido iniciado em 2020.
A legislação em vigência em Fortaleza foi aprovada pela Câmara Municipal em 2009, ainda na gestão da ex-prefeita Luizianne Lins (PT). A revisão deveria ter ocorrido, portanto, até o final de 2019.
No entanto, para garantir a participação efetiva da população, a discussão começou apenas em 2020, com a realização das primeiras audiências públicas. Os trabalhos, no entanto, foram interrompidos pela pandemia de Covid-19 e as medidas de isolamento social adotadas em todo o Estado.
Suspensão das audiências públicas
O Ministério Público do Ceará recomendou, em julho do ano passado, a suspensão da revisão do Plano Diretor. A Prefeitura de Fortaleza, que vinha realizando discussões de forma virtual, acatou a decisão e os trabalhos ainda não foram retomados.
"A orientação é de que permaneçam suspensos até que as audiências públicas presenciais possam voltar a ser realizadas com segurança", afirma Giovana de Melo. Ela é titular da 9ª Promotoria de Justiça (Núcleo de Conflitos Fundiários e Defesa da Habitação) e acompanha o processo de revisão desde o início.
Ela lembra que, em 2019, o Executivo municipal, sob a gestão do ex-prefeito Roberto Cláudio (PDT), pretendia realizar uma revisão do Plano Diretor "sem passar por uma participação social", segundo a promotora.
Na época, a Prefeitura apresentou modelos de discussão da lei priorizando o digital, inclusive com a proposta de criação de site voltado para isso, diminuindo o peso das audiências públicas.
"O MPCE se opôs, pois estava em descompasso ao que preceitua o Estatuto da Cidade, que exige participação. Não é algo que possa escolher ou não".
O Estatuto da Cidade é uma legislação federal, aprovada em 2001. Nele, o Plano Diretor é descrito como "parte integrante do processo de planejamento do Município”. Outras legislações urbanísticas, portanto, tem como base o Plano Diretor - como o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual - e devem “incorporar as diretrizes e prioridades nele contidas”.
Para elaboração do Plano, o Estatuto prevê a participação da sociedade na elaboração do plano, exigindo que o Poder Público garanta audiências públicas, debates, além de publicidade e acesso aos documentos deste processo.
Processo para revisão do Plano Diretor
Para garantir a participação no processo de elaboração, ou revisão, do Plano Diretor, além do Estatuto da Cidade, também foi publicado, em 2004, um guia basilar pelo Ministério das Cidades. Entre as etapas estabelecidas, está a criação de um Núcleo Gestor formado por representantes do Poder Público e da sociedade civil organizada.
Após intervenção do Ministério Público, a Prefeitura de Fortaleza enviou projeto de lei à Câmara Municipal para criar o Núcleo Gestor para revisão do Plano Diretor da capital, em 2019. Aprovada a proposta, o grupo foi eleito e iniciou os trabalhos ainda em dezembro daquele ano.
O grupo é responsável por elaborar a metodologia de participação popular, estabelecendo o cronograma, o número de audiências, em quais territórios serão realizadas as reuniões de discussão, entre outras responsabilidades.
“Não só as grandes linhas, se vai ter audiência temática ou territorial, mas como é que vai se dar a audiência, como vai ser estimulado o debate, o material que vai ser distribuído”, detalha Valéria Pinheiro, integrante do Campo Popular do Plano Diretor - organização formada por cerca de 40 entidades e que acompanha discussão da legislação na Capital. .
A definição do modo como vai ocorrer o debate é essencial para garantir a efetividade da participação popular. “Se fizer audiências no MPCE ou na Câmara é uma metodologia que não funciona”, afirma Giovana de Melo. “É preciso fazer audiência no local da população, setorizar essas audiências em conformidade com as demandas daquele ambiente, porque assim não esvazia”, completa.
Retomada dos trabalhos
O ex-prefeito Roberto Cláudio sinalizou, em mais de uma ocasião, que gostaria de sancionar o Plano Diretor antes do fim do segundo mandato. Com a necessidade de suspensão, a tarefa ficou para o sucessor, José Sarto (PDT).
O líder do prefeito na Câmara Municipal, Gardel Rolim (PDT), afirma que a Prefeitura pretende retomar as audiências públicas ainda neste ano, mas com o devida garantia de segurança para os participantes.
."Seria prejudicial se não fosse presencial, se não conseguíssemos ir aos bairros, comunidades e chamar os segmentos para um debate"
O parlamentar explica que a gestão municipal aguarda um "arrefecimento da pandemia" para que seja possível realizar o debate. "A gente espera que, com o avanço da imunização do povo de Fortaleza até o início do segundo semestre, (a gente) avance na construção (do Plano Diretor)", completa.
O vereador afirma, inclusive, que o Núcleo Gestor deve ser mantido para coordenar o processo de participação popular.
Valéria Pinheiro concorda com a necessidade de garantir as condições sanitárias para que a participação da população ocorra com segurança. Ela explica, ainda, que as dificuldades agravadas pela pandemia também são um entrave para a volta das discussões.
."As pessoas estão preocupadas com questões mais vitais de sobrevivência: alimentação, conseguir trabalho, garantir estudo. As pessoas não estão com cabeça para parar agora e pensar no planejamento da cidade. Não são as condições ideais para quem está passando por tantos problemas sérios no seu dia a dia", afirma
Segundo ela, o Campo Popular do Plano Diretor enviou ofício para a Prefeitura de Fortaleza pedindo informações sobre quais estão sendo os trabalhos técnicos desenvolvidos internamente durante a suspensão, mas não obteve resposta.
A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Fortaleza para ter informações de como está o planejamento da gestão para a volta das discussões. Contudo, não teve resposta até a publicação desta reportagem.
Atraso na revisão do Plano
Com a previsão de revisão a cada dez anos, o novo Plano Diretor de Fortaleza completa dois anos de atraso. Contudo, para a promotora Giovana de Melo, o essencial é garantir a participação social ampla, mesmo que aumente o atraso no prazo para a revisão.
"A nossa preocupação é que o processo observe as formalidades legais e que ao final a gente obtenha um produto que atenda o interesse de toda a coletividade", explica a promotora Giovana de Melo.
Do Campo Popular do Plano Diretor, Valéria Pinheiro indica que as prioridades são quanto à existência de pluralidade de ideias nas discussões. "E que a Prefeitura oportunize a participação, em todos os momentos de debate, que todos os lados sejam ouvidos", completa.
Após a elaboração no âmbito do Executivo municipal, com a devida participação social, a minuta da lei será enviada para a Câmara Municipal de Fortaleza. “Lá, ela sofre um segundo momento de discussão com a sociedade”, garante Gardel Rolim.