Venho por meio desta exaltar mais uma vez o valor de uma carta. Seja de amor a uma pessoa, seja de zelo por um país, como o manifesto em defesa da Democracia lido em São Paulo e em várias cidades brasileiras.
Pelo Estado de Direito ou pela salvação de um amor em apuros, só uma bela carta escrita de próprio punho fala mais alto. São causas urgentes que não se resolvem na base do whatssApp ou do emoji engraçadinho. Só a carta tem moral e solenidade para restaurar valores ou sentimentos em ruínas.
Desde o falso descobrimento do Brasil é assim. Foi com uma missiva, lembre-se, que Pero Vaz de Caminha mandou aquele textão para comunicar ao rei D. Manuel que achado não era roubado — ainda aproveitou para fazer um samba-exaltação sobre a fartura da terra tomada dos indígenas que moravam por aqui.
Nos momentos trágicos do país, a caligrafia dita a dor. Foi o caso da carta deixada pelo presidente Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954: "Saio da vida para entrar na história", escreveu em papel timbrado do seu gabinete.
Vale o escrito. O que não evapora como uma mensagem de Telegram em uma corrente golpista. Inspirada no texto pela Democracia de 1977, o manifesto com quase um milhão de assinaturas, lido na Faculdade de Direito de São Paulo e em praças de outras capitais, nasce clássico. Epístola para hoje e sempre.
A prova do seu valor histórico ficou mais explícita ao ser chamada de "cartinha" pelo presidente. Quando usa o diminutivo, sai de baixo, Bolsonaro sempre comete uma atrocidade ou mais um crime de rotina. Lembre-se de quem tratou a Covid-19 de "gripezinha", uma peste que matou 681 mil brasileiros e brasileiras até o exato instante.
Venho por meio desta, mais uma vez, recomendar um livro importante sobre o tema: "Cartas Brasileiras" (Companhia das Letras). Organizado pelo escritor Sérgio Rodrigues, a edição apresenta correspondências históricas, políticas, célebres, hilárias e inesquecíveis que marcaram o país. Tem missiva até do Renato Russo e da Clarice Lispector, para tocar os corações em desmantelo.
"Verba volant, scripta manent." Lembra da citação em latim que o vice Michel Temer mandou para a presidente Dilma? Uma farsa epistolar de primeira. Traduzo: "A palavra voa, a escrita permanece".
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.