O que o Ubirajara jubatus tem a ver com o discurso decolonial do governo Lula em sua viagem pela Europa?
Praticamente tudo. Assim que chegou de volta ao Cariri, o fóssil surripiado pelos alemães em 1990, virou símbolo da luta do Sul Global — vamos botar nesse bloco o dito Terceiro Mundo e países em desenvolvimento — no resgate de objetos de estudos traficados por comerciantes e pesquisadores estrangeiros.
“É muito bom ter um acordo com a União Europeia, até para ajudar no equilíbrio mundial e para o nosso equilíbrio. Não queremos só China e EUA. Mas não pode ser uma relação neocolonial”, disse o diplomata Celso Amorim, assessor do presidente para assuntos internacionais, em entrevista a Jamil Chade, meu colega no canal “ICL Notícias”.
Na sua apresentação no festival “Power Our Planet” em Paris, convidado pela banda britânica Coldplay, Lula foi nessa mesma pegada contra o neocolonialismo, em um pronunciamento histórico a respeito da visão eurocêntrica.
O nosso Bira, vítima do tráfico “iluminista” para estudos científicos na Alemanha, diz muito sobre isso tudo. Mais do que nunca, vale o escrito pelo colunista Paulo Henrique Rodrigues, o excelente PH do Cariri, neste Diário do Nordeste: “A repatriação do Ubirajara jubatus, considerado um fóssil raro por ser possível ancestral das aves modernas, é considerada uma vitória sobre o colonialismo. A própria imprensa europeia andou analisando dessa forma. Já eu, sertanejo que sou, posso dizer mais: é comemoração dupla, por superar também o colonialismo à brasileira”.
Bira, na sua ilegalidade geopolítica, fazia parte do acervo do Museu de História Natural Karlsruhe. De volta ao seu lugar, ele pode ser visto, até terça-feira (27), no auditório do Geopark Araripe, no Crato. No dia seguinte vai para sua morada definitiva, o Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, em Santana do Cariri, um dos melhores do gênero no mundo. Recomendo uma visita.
E para saber mais sobre essa riqueza brasileira deixo uma dica preciosa de leitura: “Fósseis da Chapada do Araripe – Uma Odisseia no Cretáceo”, com textos de Alexander W. A. Kellner e Álamo Feitosa Saraiva; o livro tem registros fotográficos raríssimos de Paulo César Manzig e Ronaldo Barboni. Cada página é um eco do cearense Antônio Conselheiro. Escute o barulho do nosso sertão que já foi mar.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.