Doutora Nise, Genivaldo e o Brasil paciente

Em um dia, o presidente Jair Bolsonaro (PL) veta homenagem aprovada pelo Congresso Nacional à doutora Nise da Silveira (1905-1999), uma das mulheres mais geniais e importantes desse país. A alagoana, nordestina, brasileira conhecida no mundo inteiro pelas investigações e atividades voltadas para a humanização dos tratamentos psiquiátricos. Uma médica que pensava no cuidado e na delicadeza em vez do choque elétrico e da lobotomia. O nome dela foi proibido de fazer parte do Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria.

No dia seguinte, agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) assassinam, com uma câmara de gás improvisada em uma viatura, Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, negro, portador de esquizofrenia, como tantos pacientes estudados e tratados pela doutora Nise da Silveira. As imagens do horror em Sergipe estão aí, espalhadas em todas as mídias, para desmentir qualquer nota oficial ou trapaça das ditas “autoridades competentes”.

O tratamento mortal da PRF, uma polícia que em outras gestões mantinha um tom de eficiência e cordialidade, foi o contrário do que pregava e do que fazia a psiquiatra. Para ter uma visão da vida e obra desta mulher extraordinária, basta ver “Nise, o Coração da Loucura”, um filme dirigido por Roberto Berliner, com a atriz Glória Pires.

Doutora Nise conviveu com dezenas de Givaldos de Jesus. Deixou um exemplo de tratamento humanizado proibido nas cartilhas bolsonaristas. Óbvio que o capitão do Planalto — fã declarado de torturadores como o coronel Brilhante Ustra — vetaria a proposta da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), passando por cima das aprovações da Câmara e do Senado.

É irônico que uma mulher cujo trabalho foi reconhecido por Carl Gustav Jung, o fundador da psicologia analítica, seja barrada por Bolsonaro. Irônico nada. É apenas um desastre que exibe o tamanho desse chefe de Nação para todo mundo.

De Jung a instituições internacionais, o que não falta é homenagem a esta brasileira de origem nordestina. Até o Google, em um “doodle” na efeméride dos seus 115 anos (2020), rendeu-lhe uma graça histórica das mais fofas e merecidas.

Viva doutora Nise da Silveira; justiça por Genivaldo de Jesus!

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.