No cipoal de nossas reminiscências, não poderíamos esquecer das viagens de trem.
Fins da década de 50 e início dos anos 60, passageiros fomos do "trem do Crato", de preferência, nos vagões de primeira classe. Minha fixação pelo trem vem da infância.
Meu pai foi funcionário da estrada de ferro. Em movimento, nos conduzia. Parada, a máquina servia para nossas brincadeiras, quando criança, entre os seus vagões de passageiros e cargas. Após as escavações da memória, vamos nos situar na viagem mais longa, de Crato a Fortaleza, "puxados" por uma Maria Fumaça ou máquina a diesel.
Com o fito de tomar um "banho de civilização", como se dizia à época das grandes distâncias, partia-se do Crato para Fortaleza, às quatro da manhã, com chegada às 20 horas, na estação João Felipe.
No percurso, cada parada nas estações era uma festa pautada pela comilança.
Peixe frito, tapioca, macaxeira, frutas e água de quartinha servida em copos de alumínio. A passagem pela estação de Baturité era a mais aguardada, por causa das uvas do Maciço. Quando em companhia do nosso pai, desfrutávamos de uma ida ao carro-restaurante, onde na refeição tínhamos "direito" a um Grapette, refrigerante que, ainda hoje, recende um gosto de infância.
O jornaleiro Bodinho, depois muito conhecido, como destacado torcedor do Fortaleza, explorava a venda de revistas. Durante o trajeto até Fortaleza, falava-se e discutia-se futebol cearense. De vez em quando, um grito "Aí é Ferrim, meu filho" ou "Aí é Gildo", notável craque do Ceará.
Vez por outra, numa rampa, o trem deslizava. A própria máquina tinha um dispositivo para despejar areia nos trilhos. Resolvido o problema, a viagem seguia sem sustos.
Outra festa para os nossos olhos eram as estações, cujas arquiteturas provocam em nós lembranças de um tempo lírico e feliz, nas nossas muitas viagens de trem. Muitas foram preservadas, algumas destruídas pelos desmemoriados.
Nostalgia do apito.