Escrever está na moda. A profissão de escritor virou um desejo geral, a vontade de expressar os sentimentos, contar a vida, lançar um livro. Acompanhando a demanda, o mercado está repleto de manuais sobre como escrever bem, como concluir um romance, como criar poesia, como terminar um livro em trinta dias, além de cursos que dizem garantir o sucesso literário, uma carreira, um lugar ao sol no mundo dos escritores e poetas. São decálogos, regras, conselhos, ordens, todo tipo de verdade sobre o que é, de fato, escrever bem.
Hoje, se eu fosse escrever um manual sobre escrita literária para iniciantes, talvez tudo que eu tenho a dizer pudesse ser anunciado com uma única frase: você precisa viver mais. A matéria prima da literatura é a vida e nela cabem coisas múltiplas, profundas, em níveis e camadas tão difusas que só alcança quem observa a vida como um aprendiz desse indecifrável mistério.
A verdade é que não existe uma resposta única para absolutamente nada, há sempre mais de um ponto de vista. Mas arrisco dizer que não é possível escrever literatura sem uma observação aguda e honesta para isso que chamamos de existir. Nada é completo, nada é perfeito, há sempre uma falta, uma fenda, uma lacuna e há sempre dor. No revés disso tudo, há o amor e o sonho. No balanço entre as duas faces, a literatura nasce e se sustenta.
Recebo textos de alunas e alunos com um excelente domínio da gramática, ortografia, ritmo, pontuação mas com um grave problema de falta de assunto. O universo é imenso. Estamos completamente imersos em dúvidas, questões. Há uma frase de José Saramago que define bem o que estou tentando dizer: “os olhos podem muito, mas não alcançam tudo”. Algumas coisas só alcançamos com a alma.
Pois quem quer ser escritora ou escritor precisa se lançar na experiência da vida com coragem. Observar outros modos de vida, as pessoas que nasceram em lugares distintos, outras famílias, outros corpos. As dores que você nunca teve. As felicidades que você nunca viu. A fé que nunca pode ser compreendida. Tudo o que faz parte da multiplicidade da vida humana é matéria literária.
Escritores precisam viver. Mais e mais. Não negar as experiências, nem os sentimentos. Sentir tudo. Raiva, ódio, amor, revolta, carinho, compaixão, aversão, medo, pânico, prazer, paixão, nojo, ternura, perdão. Errar e acertar. Nós, os leitores, estamos esperando por isso. Por textos que não nos poupem de encarar a vida como ela é de verdade e que nos mostre como aquele personagem vai atravessar essa mesma coisa que atravessamos aqui do outro lado do papel. Qual será a sua estratégia?
A maturidade não está no tempo vivido, não está na idade do escritor, mas na forma como o seu olhar foi educado a percorrer o mundo. Existem por aí muitas pessoas que não tem voz e cujas histórias precisam ser contadas. Todo escritor precisa amar a vida como um conceito universal, sem restringir à sua própria existência. Estamos todos em elo, mesmo sem perceber.
Nos meus anos de experiência escrevendo, dando aulas, lendo incansavelmente, posso dizer que os melhores textos são das pessoas que não tiveram medo de se entregar à coragem. Aguentaram, pagaram o preço. E escreveram sobre isso, o mistério que nos fascina ou aflige a cada nascer do sol. Esse é meu conselho: você precisa viver mais e escrever sobre o que viu, mas sobretudo sobre o que não está visível. Sem medo.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.