Na reta final de 2021 estamos reunindo os dados, números, fatos, para entender o que aconteceu nesses meses de tanta angústia. E é importante que também possamos organizar no pensamento o que houve de bom. Juntar forças e esperanças para o ano que vem. Dentre as boas notícias, vale destacar que o livro mais vendido da gigantesca Amazon, no Brasil, foi Torto Arado, de Itamar Vieira Jr, publicado pela Todavia.
Itamar é geógrafo, mora em Salvador e alimentava o sonho de ser escritor desde adolescente. Nascer na Bahia e sonhar com a literatura leva a um caminho inevitável, chamado Rua Alagoinhas, 33, Rio Vermelho. É a casa de Jorge Amado e Zélia Gattai. Continua sendo, mais que nunca, porque hoje qualquer pessoa pode entrar na sala, nos quartos, cozinha, passear pelo jardim, tocar os azulejos desenhados por Carybé, ouvir e ver os vídeos que contam a vida desse casal que mudou a história da literatura no nosso país.
Pois um dia o tímido e jovem Itamar criou coragem e bateu à porta da casa. Foi recebido por Zélia Gattai, com muito carinho. Contou que queria ser escritor. Recebeu autógrafo. Sem saber, recebeu também uma benção. Jorge Amado é um dos autores brasileiros mais conhecidos no exterior, traduzido para os idiomas dos sítios mais remotos. Foi ele quem mostrou as cores do Brasil para o mundo, sobretudo nos anos sessenta e setenta. Logo depois veio Paulo Coelho e hoje os dois são, juntos, os maiores números de vendas de livros dentre os nossos.
Quando Itamar começou a escrever Torto Arado, obviamente não imaginava e nem pretendia tanto. Queria concluir seu livro, depois de anos de dedicação e trabalho, atravessando desafios e momentos importantes na vida, levando o sonho adiante por teimosia. Soube do prêmio LeYa, de Portugal, que recebia inscrição para originais inéditos. Mandou e foi premiado. Não conhecia nada ou ninguém no mercado editorial, pagou o envio, arriscou a sorte. Este foi o primeiro movimento de um fenômeno editorial que surpreendeu a todos.
Torto Arado é sobre mulheres e origem, sobre fé e abandono, sobre esperança e medo. Sobre tudo o que é Brasil, no melhor e no pior do que somos. E assim, um livro tão enraizado na identidade de um povo, vendeu duzentos e cinquenta mil exemplares desde que foi lançado, no final de 2019.
O fenômeno de Itamar Vieira Jr renova as esperanças em um tempo de valorização da cultura brasileira, mas também de consciência da nossa história. De quem somos, do sangue do chão onde pisamos até hoje.
É uma grande alegria que, mais uma vez, um autor baiano esteja no topo das vendas e do amor dos leitores. Assim como Jorge Amado, Itamar também precisa lidar com críticas e descontentamentos. Usando a frase de Tom Jobim, fazer sucesso no Brasil é ofensa pessoal. Sempre foi assim, sempre será.
O sucesso de Torto Arado abriu as portas para um sopro de energia e vigor nas letras nacionais, deixou outros autores motivados a contar histórias vivas, ricas, criar personagens, sobretudo no Nordeste, pedaço de nação onde nasceram nomes que mudaram tudo.
No meio da desgraça, celebrar Itamar é acreditar na arte, na literatura, na força das palavras, em um pilar seguro e verdadeiro para construir uma nova fase na história dos livros e dos leitores brasileiros. O livro do ano foi Torto Arado, escrito por um brasileiro tão perplexo quanto brilhante. E que no próximo ano a comemoração seja, novamente, em louvor ao Brasil.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.