Amor é coisa que se prova de várias maneiras, mas todo coração precisa de palavras.
Das paixões nascem as músicas, os poemas que atravessam a história, as cartas e bilhetes que fazem da vida um percurso que vale a pena trilhar. É o amor romântico e seus rompantes que movem a arte em todos as línguas, é tudo sobre o amor e seus efeitos de salvação.
A primeira providência para escrever uma declaração de amor é reunir o seu material de trabalho: as palavras. Anote um lote de dez, no mínimo, que digam respeito ao ser amado. O seu nome, o que significa, o que vem dele, por exemplo. Os signos e símbolos que circundam a existência dessa pessoa. As coisas de que gosta, as cores, os detalhes, sabores, lugares. Uma boa declaração de amor é feita daquelas pequenas observações que só quem ama percebe. Precisa ser de verdade, real, cotidiano.
A segunda providência é perguntar a si mesmo: o que eu vejo de bonito no ser amado? O que me encanta, o que me faz querer viver o resto dos meus dias aqui perto? Por que essa pessoa é única no mundo? Primeiro, as abstrações, a maneira de ver a existência, a personalidade, as ideias, os pensamentos. O jeito de ser feliz, de ser triste, de viver junto, de superar os obstáculos. Como é a alma dessa pessoa? O que nossas duas almas já viveram juntas?
O terceiro passo é observar o corpo da paixão e seus movimentos. Tracejar tudo que é belo e familiar, gostoso e viciante. A temperatura da pele, o cheiro, os sinais, cicatrizes, cor dos olhos, sorriso, a forma das mãos. Depois, os deliciosos segredos: o beijo, a forma de tocar, o timbre da voz, a fome e a sede que um corpo tem do outro, a saudade.
Aqui chegamos a um ponto importante: é a marca da intimidade que faz uma declaração de amor ser única e universal ao mesmo tempo.
O trabalho inicial é esse, reunir o vocabulário que define o seu amor. Estando ali, à sua frente, chegou a hora da alquimia. Essa coleção de palavras quase mágicas vai, aos poucos, tomando forma. É possível dizer, por exemplo, porque a vida é tão melhor porque a pessoa existe. Ou ao contrário, o quanto seria triste e quase impossível viver sem os pequenos detalhes listados ali. O quanto se deseja um futuro, uma estrada longa, a esperança de felicidade dia após dia.
Encher os olhos de saudade. Bordar uma vida na outra. O olhar que dá uma festa quando o amor chega. Um jeito manso que é só seu. Detalhes tão pequenos de nós dois. É assim, com esses pedacinhos de vida, que se faz verso, música, poesia, carta de amor. Cada um a sua maneira, com as palavras especiais de cada romance.
Recentemente eu ouvi uma das demonstrações de amor mais bonitas da vida. Minha amiga Lorena é casada com um inglês, o Matt. Ele faz esforço para aprender português e um dia decidiu escrever uma declaração em uma rede social. Postou uma foto linda dos dois e a chamou de “minha sonha brasileira”.
A Lorena explicou, amorosamente, que sonho é uma palavra masculina da língua portuguesa, mas ele não concordou, não admitiu, não fez concessão. Se ela é a mulher da vida dele, ela é uma sonha, no feminino e está decidido. Minha sonha, essa subversão da gramática, é um exemplo de que a língua é que deve servir às paixões.
Todo coração deseja um bilhetinho, um post, uma legenda, uma frase no ouvido, um verso, uma carta, uma prova de amor. É assim que o fogo se transforma em palavra, a palavra em fogo e a esperança de felicidade explode, iluminando tudo ao redor. Não há coisa melhor do que ser o sonho ou a sonha de alguém.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.