A música sempre teve o poder de reunir multidões, agregar pessoas em uníssono, fazer do encontro uma grande celebração para apreciar o artista em cena. Mas e quando o artista em questão é uma lenda do teatro? Com quase 100 anos, Fernanda Montenegro subiu ao palco sozinha no Parque Ibirapuera, em São Paulo, e foi ovacionada por mais de 15 mil pessoas. Em tempos de esvaziamento de teatros, como explicar esse fenômeno? Seria Dona Fernanda uma rockstar?
O teatro tem, por natureza, uma história de aglomeração, de festividade, de grandes plateias, de eventos gigantescos. No entanto, com o passar do tempo, essa linguagem foi, literalmente, se fechando em espaços menores, especialmente em virtude de arquiteturas acústicas capazes de promover melhores experiências para o artista e para o público. Arrisco dizer que o teatro foi, inclusive, tornando-se ao longo do tempo uma arte de difícil acesso, elitizando.
Talvez seja por isso o gostinho bom de pura satisfação em ver o fenômeno Fernandona e sua plateia-multidão atenta e cheia de admiração. É claro que o reconhecimento dessa grande artista se deve também aos seus papeis no cinema e na TV, que, de certa forma, glamorizam o trabalho do ator, mas a Fernanda Montenegro do Teatro… ah! Essa é tão maravilhosa quanto.
Dona Fernanda tem uma história muito mais parecida com a de qualquer outro ator ou atriz de teatro. Durante sua trajetória passou por diversas situações problemáticas, desde a difícil aceitação da família em reconhecê-la como uma profissional até mesmo a falta de dinheiro para produzir seus espetáculos. Sem contar com algumas temporadas de fracasso de público, noites mal dormidas por falta de dinheiro, falta de patrocínio e batidas de portas na cara.
Se você é artista, provavelmente você se identificou com algum desses pontos. Dona Fernanda não desistiu, apesar de tudo. Nunca perdeu a fé, o amor e a vontade de fazer arte. Deve ser isso que nos motiva a continuar, a vontade inesgotável de fazer acontecer.
A comoção dessa artista sendo aplaudida por uma multidão é fruto dessa imensa trajetória e com todos os “nãos” e todas as dificuldades inclusas.
É o reconhecimento de uma vida inteira de crença no teatro como um lugar de força e importância social. Fernanda traz uma prova do quão necessário é o artista e sua arte para a sociedade e o quão importante são ações de democratização e popularização do teatro.
Acredito que o teatro existe e resiste por necessidade. Não somente a necessidade do artista que na dificuldade e na paixão insiste em estar em cena, mas também porque essa arte sempre vai ser capaz de mexer com o nosso íntimo de uma forma inigualável, provocando sempre um público, uma plateia ou multidão interessada.
Levar uma multidão para ver teatro é mais do que uma celebração à vida de Dona Fernanda Montenegro, é um afago para nós, artistas, que se emocionaram, sonharam e também se realizaram com esse marco histórico. Um presente para nós, para o povo e para ela, nossa rockstar.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor