Caríssimo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
Venho por meio desta prestar alguns esclarecimentos e me posicionar sobre determinada pesquisa realizada pela instituição. Primeiramente, gostaria de pedir licença para me reportar diretamente ao Instituto e não, especificamente, aos responsáveis pela coleta de dados, pois não sei quem são. Creio que a generalização não seja um problema pra vocês. Desculpe se assim pareço deselegante, mal educado ou rude, mas é que sua última pesquisa sobre a população adulta brasileira me gerou grandes inquietações.
Na semana passada, você declarou que apenas 1,9% da população se declara homossexual. Está claro que este dado não contempla ou não condiz com a realidade do Brasil. Não consigo acreditar que vivo em uma bolha tão pequena diante de todas as evidências que cercam de ponta a ponta o País. É claro que isso parte de minhas próprias experiências pelo território brasileiro que tenho percorrido nos últimos anos e é isso que me faz acreditar que a diversidade de nossa população é ainda maior.
Sem dúvidas, os dados coletados por você estão subnotificados, o que também deixa tudo mais triste, afinal, o estigma e o preconceito são os principais fatores que fazem com que pessoas não se sintam seguras em declarar sua orientação sexual. Porém, estamos em 2022 e já alcançamos mais liberdade e coragem. Tenho consciência de que não sei quais recursos foram utilizados para a construção desse percentual, mas ele precisa, urgentemente, ser refeito.
Entendo também as dificuldades em se pesquisar algo desse tipo e que os termos usados, provavelmente, não favoreceram os dados, já que não são de todo compreendidos pela população geral. Por isso mesmo, afirmo que já era uma investigação em “caráter experimental”, por que divulgar esses dados neste momento? Por que não foram contemplados também dados sobre identidade de gênero? A quem interessa saber apenas sobre “LGBs”?
Talvez esta carta pareça uma tentativa de “descredibilizar” uma pesquisa feita por uma instituição séria, mas não se trata de uma simples “dor de cotovelo”. Divulgar dados de uma pesquisa que minimiza toda uma população, que não enfatiza prioritariamente a subnotificação gerada pelos mais diversos motivos, desde a incapacidade de abarcar mais pessoas até às violências sofridas por pessoas LGBTQIAP+, é grosseiro e ofensivo.
IBGE, divulgar uma pesquisa experimental dessa forma é violento, agressivo e aniquilador. Seu percentual provoca o apagamento da nossa comunidade, tenta desqualificar toda uma história de luta por direitos, por respeito, pela coragem de “sair do armário” e se tornar visíveis.
Soa como uma tentativa de fragilizar os recursos e demonstra imperícia no assunto. É grave e fragiliza a nossa população nos avanços de políticas públicas e proteção.
Não há necessidade de muito recurso se vocês resolverem buscar também dados das Paradas pela Diversidade, dados da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), se houver interesse pela pesquisa mais recente da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais).
Espero que você, IBGE, refaça sua investigação com mais recursos, responsabilidade e sensibilidade, porque enquanto seus índices são quase nulos, os de violência contra pessoas LGBTQIAP+ são cada vez mais alarmantes. Essa conta não fecha!
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.