Caminhos pra celebrar a minha Fortaleza

Sou cria de Fortaleza, sou resultado dessas ruas, dessas vivências e dessas potências

O ano era 1995, quando saí de minha cidade natal, Mombaça, no sertão central do Ceará para buscar oportunidades na Capital. O objetivo era estudar e me tornar “doutor”, numa tentativa de retornar depois para o interior com uma formação, uma profissão que me permitisse dar uma vida melhor aos meus pais. Eu só não imaginava o quanto Fortaleza me transformaria por inteiro.

Eu nunca tinha saído da minha cidade. Sentia medo pelo o que poderia vir pela frente, afinal, eu era só um menino de 13 anos, longe da proteção dos pais, conhecendo uma metrópole, e olha que nem Fortaleza e nem Mombaça tinham o tamanho que tem hoje. Lembro bem da sensação de chegar aqui e dar logo de cara com um outdoor, na Avenida José Bastos, próximo ao Hemoce, anunciando um show do Mamonas Assassinas.

Fui morar em uma casa na Rua Professor Costa Mendes, no Bairro Damas. Comecei a trabalhar em uma lanchonete e estudava no colégio Mozart Pinto, Montese, ao lado do antigo Roncy. Eu sempre ia caminhando para escola. Adorava cruzar as ruas do Jardim América, seguindo pelo canal da Ana Nery até chegar na Rua Alberto Magno.

Depois de um tempo, fui morar na Parangaba, bem próximo à linha do trem. Em seguida, me mudei para o Benfica, na Avenida do Imperador, onde vi a construção e inauguração do shopping popular. Nessa época, eu cursava Turismo na Escola Técnica Federal, onde também concluí a graduação em Artes Cênicas.

Também morei no Centro, no prédio Jalcy; me mudei para o Jacarecanga, próximo ao Liceu do Ceará; morei no bairro José Bonifácio e por último, no Damas novamente, ao lado da Casa do Português, primeiro bairro que me acolheu na Capital.

Como disse no início, eu vim em busca de oportunidades de trabalho, de “vencer na vida”, de encontrar uma profissão séria. Eis que Fortaleza me apresentou a arte, o teatro, a profissão de ator, de professor e, inevitavelmente, outra possibilidade de existir. Aqui, me apresentei com diversos espetáculos em quase todos os teatros e fui professor do maior e mais importante deles, o Theatro José de Alencar.

Em Fortaleza, fiz amigos por todo lugar, aproveitei a noite boêmia do Benfica e as quintas de caranguejadas, as praias do Futuro, de Iracema e Sabiaguaba, percorri os caminhos do Bode Ioiô, ri dos nossos humoristas, fiz morada no Mambembe, na Rua dos Tabajaras, vi o carnaval chegar e me tornei parte dele. Fui do Conjunto Ceará a Messejana, do Pirambu ao Jangurussu. Vivi o teatro e a música e fiz política com minha arte.

Dos 296 anos de Fortaleza, vivo aqui há 27. É engraçado reparar no tempo que passou. Os bairros já são completamente diferentes, a Escola Técnica hoje se chama IFCE, ruas mudaram de nome, surgiram novos lugares, outros deixaram de existir…

A cidade mudou muito. Mudamos, eu e ela, às vezes juntos, caminhando na mesma direção, às vezes em posições diferentes.

Essa cidade, que leva no nome força, valor e coragem, se tornou meu porto seguro na vida, o meu próprio forte. Sou cria de Fortaleza, sou resultado dessas ruas, dessas vivências e dessas potências. Não me tornei “doutor”, mas encontrei aqui muito mais do que aquilo que vim buscar: espaço, aceitação, morada, garra, respeito, arte e caminho pra percorrer. Fortaleza é pra onde meu corpo retorna e onde meu coração mora, de onde acho bonito viver.

Te celebro, Fortaleza!

Celebro todas as inúmeras e diversas Fortalezas que existem, que resistem e que habitam em mim.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.