As "inconsistências contábeis" estimadas em R$ 20 bilhões da Americanas não impactou apenas os funcionários e sócios da empresa. Além dos credores da companhia que foram impedidos pela Justiça de antecipar os pagamentos, o que representaria um impacto de R$ 40 bilhões, pequenos investidores também foram afetados.
Nos últimos dias, quem aplicou no fundo "Nu Reserva Imediata", do Nubank, também foi surpreendido com a redução dos valores investidos. E, segundo analistas de mercado ouvidos pela reportagem, há, sim, a possibilidade de novas perdas no médio e longo prazo.
O cenário pode demandar uma mudança de estratégias para os investidores mais conservadores.
Marcação a mercado
Para entender melhor o caso é preciso entender que debêntures são títulos de dívida, usados por empresas privadas para captação de recursos no mercado. E como o mercado financeiro vive de expectativas, houve uma marcação a mercado da possibilidade da Americanas conseguir quitar esse débito no futuro.
Essa desvalorização do fundo do Nubank representa justamente essa marcação, que, caso alguém tente vender esses títulos no mercado secundário, deverá receber um valor menor em relação ao que emprestou. Como a empresa vive a possibilidade de decretar falência, as chances de pagar o débito são menores, então, o valor do "papel" no mercado cai.
Como funciona o fundo do Nubank
O Nu Reserva Imediata é um fundo de renda fixa. Ele tem na sua cesta apenas investimentos da renda fixa, como títulos do Governo e até metade da composição em títulos emitidos por grandes empresas, como debêntures, CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários) e CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio).
Possibilidade de falência
E para Thomaz Bianchi, sócio da M7 Investimentos, há duas possibilidades para os investidores do 'Nu Reserva Imediata', estando uma delas relacionada a possíveis novas perdas. Bianchi explicou que uma possível recuperação da empresa, até com ação dos sócios, pode gerar uma nova marcação das debêntures e recuperar as perdas já registradas.
Contudo, caso a situação piore, e a Americanas confirme a falência e o não pagamento das dívidas no prazo, a marcação desses débitos pode ser, novamente, negativa. Esse cenário pode resultar em novas quedas das cotas dos fundos expostos com papel da varejista, como o "Nu Reserva Imediata".
Essas consolidações de resultado, no entanto, deverão acontecer no médio e longo prazo.
"No primeiro momento, o cotista vai sofrer com a perda, mas caso haja uma regularização, como já houve sinalização dos sócios de injetar capital para regularizar a dívida e recuperar a Americanas, isso tende a se corrigir. Então, o fundo que tinha uma marcação de baixa pode voltar a ter uma movimentação para cima, com correção do título", disse.
"A segunda possibilidade é o fato da Americanas não pagar a dívida, e aí teríamos mais uma marcação negativa no fundo, mas isso não é no curto prazo. Isso acontece a médio e longo prazo, mas existem essas duas possibilidades", completou.
Desempenho anterior
Apesar da queda nos últimos dias, o "Nu Reserva Imediata" segue registrando um rendimento acima do CDI (taxa usada para medir parte dos títulos de renda fixa com maior previsibilidade.
Entre janeiro de 2022 e janeiro deste ano, o fundo do Nubank acumula alta de 12,68% – dados registrados no último dia 17 de janeiro, às 9h25. Já o CDI, que representa uma porcentagem da taxa básica de juros (Selic), rendeu um retorno de 11,81%. Os dados são da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
O "Nu Reserva Imediata" também vem superando o Ibovespa (principal índice da Bolsa de Valores brasileira), que rendeu entre 2022 e 2023, 5,1% aos investidores.
Cuidados necessários
Para evitar essas surpresas, Gilberto Barbosa, sócio da V8 Capital, destacou que é importante o investidor analisar bem a composição de fundo de investimento caso o objetivo seja usar o ativo como reserva de emergência. A análise é importante, segundo ele, porque muitas gestoras utilizam essas opções de crédito privado para elevar o rendimento dos fundos.
"O objetivo disso é melhorar a rentabilidade do fundo. Entretanto, os títulos de crédito privado estão mais expostos tanto aos riscos específicos das empresas emissoras (como é o caso atual da AMER) quanto aos riscos de mercado - na pandemia, por exemplo, devido a uma crise de liquidez no mercado de crédito, muitos fundos de renda fixa sofreram, pois passamos por uma queda generalizada nos preços dos ativos de crédito", disse.
"É importante que o investidor conheça a composição dos fundos que está utilizando como reserva de emergência. Existem fundos menos expostos ao risco de crédito, que carregam menos debêntures e outros títulos de crédito privado, e por isso estão menos suscetíveis a passar por esse tipo de problema", completou.
Outros produtos podem ser afetados?
Os últimos resultados do "Nu Reserva Imediata" também não deverão afetar, considerando os resultados até aqui, os rendimentos dos outros produtos do Nubank, segundo Ricardo Coimbra, economista e membro do Conselho Regional de Economia no Ceará (Corecon-CE).
Ele ainda destacou que os investidores que focarem no longo prazo não deverão ter "muitos prejuízos", e que o fundo pode, sim, se recuperar nos próximos meses.
"As pessoas que ficarem focadas no longo prazo não deverão ter muitos prejuízos porque o garantidor é o próprio Nubank, que ele, sim, pode ter perdas em relação a esse produto. Mas não necessariamente, veremos reflexos em outros produtos do Nubank por conta disso. A gente pode ter um impacto de perda no valor das ações do Nubank, mas importante é ver o peso dessas operações para o Nubank, que deve ser relativamente baixa", explicou.