Consideradas estratégicas para o desenvolvimento econômico do Brasil no passado, a Petrobras e a Eletrobras vêm passando por um processo de desinvestimento gradual desde 2013 e 2014 e a preparação para a privatização.
Contudo, as empresas, ajustando detalhes da estratégia, ainda poderiam ser importantes para reduzir problemas da economia nacional? O cenário, segundo especialistas, é complexo e distinto para as duas estatais.
Segundo dados divulgados pela Associação dos Empregados da Eletrobras (Aeel), a estatal do setor de energia vem reduzindo investimentos desde 2013, quando registrou aporte recorde de R$ 11,4 bilhões em geração e transmissão. Desde então, os valores vêm registrando quedas consecutivas, chegando ao patamar mínimo de R$ 1 bilhão em 2021.
Já a Petrobras teve um pico nos valores de investimento em 2014, quando foram aportados R$ 48 bilhões. Contudo, seguindo o mesmo padrão da Eletrobras, a estatal passou por uma redução gradual de valores, atingindo o mínimo em 2020 (R$ 8 bilhões). Em 2021, a petrolífera investiu R$ 8,7 bilhões.
De acordo com Rosana Santos, pesquisadora do Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV CERI), ambas as empresas estão "no processo de serem preparadas para uma privatização", mudando as perspectivas anteriores sobre a atuação delas.
"A decisão de reduzir investimentos na Eletrobras significa que o Governo deixa de investir em infraestrutura no País, então isso caiu bastante. Eles foram substituídos pela iniciativa privada? Sim, mas a empresa sempre foi grande player para o desenvolvimento do setor elétrico no País", disse Santos.
"O caso da Petrobras é bem mais complexo. A Petrobras tem sido operada de acordo com as regras do mercado, e ao longo dos anos a empresa foi se desfazendo da capacidade de refino, então essa perda de capacidade de refino nos força a comprar gasolina no preço em dólar", completou.
Setor elétrico
Sobre um possível privatização da Eletrobras, Rosana destacou que as condições estão preparadas, já com a criação de uma lei específica voltada para regular a transição de controle para a iniciativa privada.
O processo, no entanto, está travado no Tribunal de Contas da União (TCU), onde foi questionado o valor sugerido para a venda da empresa, possivelmente menor ao que a companhia pode gerar no futuro.
"Abriu-se legalmente a possibilidade de se privatizar e sair do controle do Governo, mas antes disso, a empresa passou por alguns anos por um processo de enxugamento da máquina, então faz tempos que a empresa não investia em novas plantas de geração. Ela passou a manter as plantas que já estavam prontas. A Eletrobras era um player importante no setor eólico e no de transmissão, mas a participação dela caiu muito nos últimos anos", explicou Rosana.
Valor questionado
Sobre o valor da possível venda da Eletrobras, a pesquisadora do FGV CERI destacou que a avaliação deve passar pelas definições que se esperam para a empresa, o que pode mudar de acordo com o governo vigente.
Essa discordância de visão poderia explicar o valor considerado baixo para a venda da estatal e até criar um bloqueio para investidores fazerem ofertas durante um ano de eleição presidencial.
"O TCU usou um padrão de análise. Existem várias formas de fazer o 'valuation' de empresas, e a forma da Eletrobras deu um valor diferente, mas esse valor depende do que se espera dessa empresa no futuro. Essa análise depende dos parâmetros. Se você considera que a empresa é uma ferramenta de promoção de desenvolvimento do País, ela tem um valor, mas se considerarmos que ela já fez o que teve de fazer e que chegou a hora de passar para a iniciativa, é outro valor", disse.
"A questão é que o dinheiro deve ser usado em prol da sociedade brasileira e de forma transparante, seja para venda ou desenvolvimento do País", completou.
Regime de águas
Já sobre os possíveis impactos de se privatizar uma empresa que controla parte considerável do regime de águas do Brasil, a pesquisadora do FGV CERI ponderou que a margem de manobra para definição de níveis de escoamento dos recursos pela Eletrobras é pequena.
A decisão sobre políticas relacionadas aos recursos hídricos passa pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), algo que, segundo Rosana, precisa ser mantido no Brasil.
"A Eletrobras tem sob sua operação uma quantidade de recursos em bacias estratégicas, mas gerar mais ou menos, não é decisão da empresa em si, essa decisão de quanta água vai ser aberta é do Operador Nacional do Sistema. Existe uma questão que quando um só operador controla ele pode fazer um controle, mas a margem é baixa", explicou.
Petróleo e derivados
Já a situação para uma possível privatização da Petrobras gera cenários mais complicados. Para o economista Alex Araújo, o Governo Federal ainda poderia utilizar os investimentos na empresa na exploração do pré-sal para dar bons retornos financeiros e ainda ajudar a reduzir a pressão inflacionária dos combustíveis no Brasil.
Desde 2014, a petrolífera vem reduzindo investimentos em refino, forçando um volume maior de importação de derivados do petróleo, como a gasolina.
Além disso, desde 2016, ainda no governo de Michel Temer, a Petrobras passou a utilizar um modelo de composição de preços baseado na paridade internacional, considerando a variação cambial e do preço do barril de petróleo no mercado global.
Esses componentes têm ajudado a manter um movimento de fortes oscilações e encarecimento dos combustíveis no Brasil nos últimos anos.
"A aceleração dos investimentos no período 2008/2015 foi feito, nas duas empresas, com muito endividamento. O custo das dívidas começou a afetar os resultados operacionais, obrigando essa dieta de investimentos, que iniciou em 2014/2015 , mas acho que o roteiro futuro é bem distinto das duas empresas", disse Araújo.
"A Eletrobras está pronta para ser vendida, pois o marco regulatório do setor energético tem como diretriz a redução do papel do estado. Já a Petrobras deveria voltar a investir, pois, com o preço atual do petróleo, o pré-sal é um excelente negócio", completou.
O economista ainda declarou acreditar não haver clima político para uma privatização da Petrobras em 2022.
Reestatização no mapa
Apesar da perspectiva de privatização das ambas as estatais, Rosana Santos afirmou que reestatizar as empresas seria um pouco mais complicado do que se espera.
Com o cenário eleitoral se afunilando, alguns pré-candidatos à Presidência da República já afirmaram que pretendem retomar o controle das empresas caso elas sejam vendidas neste ano.
Contudo, o processo não seria tão fácil. No caso da Eletrobras, a pesquisadora do FGV CERI destacou que seria necessária uma revisão da lei que trata sobre a própria venda da empresa.
"A lei por si só foi bastante polêmica. Colocou-se junto dela a obrigatoriedade de contratar térmicas a gás natural onde não existe gasoduto, sem que seja feito um estudo bem detalhado se seria uma decisão positiva ou não. A própria lei é um jabuti então para voltar isso, teria de dar uma nova olhada na própria lei. Então o processo é um pouco complexo", comentou.