Um mercado de trabalho fragmentado

Não há, no Brasil, restrições legais à mobilidade da mão de obra. Um trabalhador pode retirar sua carteira de trabalho em Boa Vista, nossa capital estadual mais setentrional, e trabalhar em Porto Alegre, a capital mais meridional – uma distância linear de cerca de 3800 quilômetros, ou 5260 quilômetros por estrada de rodagem – sem precisar de documentação adicional.

Supondo que a distribuição etária da população não tenha grande variação regional, e dado que a legislação trabalhista é a mesma, seria plausível supor que as taxas de desemprego, considerando os estados brasileiros, deveriam ser semelhantes.

Unidades da federação com desemprego acima da média deveriam perder trabalhadores para regiões com maior escassez de mão de obra, levando à certa uniformização da taxa. Isso não ocorre, e a heterogeneidade da taxa de desemprego aponta para subutilização da mão de obra existente, e deve contribuir para a pobreza e desigualdade.

Considerando-se os dados do IBGE para dezembro de 2021, pesquisa nacional por amostras de domicílios (PNAD), as taxas de desemprego médias nas distintas regiões do país variavam de 6,7% na região Sul a 14,7% no Nordeste – a média nacional encontrava-se em 11,1%.

Em linhas gerais, usualmente temos desemprego abaixo da média no Sul e Centro-Oeste, acima da média no Nordeste, e próxima da mesma no Norte e Sudeste. Note-se que desemprego, na definição do IBGE, mede as pessoas não ocupadas que tomaram alguma providência efetiva para conseguir um trabalho no período de referência de 30 dias e que estavam disponíveis para iniciar um trabalho na semana de referência – quem não trabalha, nem procura emprego, não aparece na estatística.

Mais interessante, a variância da taxa de desemprego é importante mesmo entre os estados do Nordeste. Em dezembro de 2021, dois dos maiores estados da região, Bahia e Pernambuco, puxavam a média para cima, com taxas de desemprego de 17,3% e 17,1%, respectivamente, ao passo que o Ceará apresentava uma taxa mais baixa (11,1%).

Curiosamente, essa dispersão intra-regional também se verifica no Sudeste, com taxas de desemprego que variam entre 9,4% em Minas Gerais e 14,2% no Rio de Janeiro. A mobilidade é limitada mesmo dentro das regiões do país. 

E como se compara a dispersão de taxas de desemprego do Brasil com o que se observa em outros blocos econômicos grandes, com mobilidade de trabalho amparada pela legislação, como os EUA e a UE? Nos EUA, a dispersão de taxas de desemprego (variação em relação à média) entre os estados atinge cerca de 26%, ante 30% no Brasil, com uma mínima em Nebraska (2,1%) e máxima no Distrito de Columbia (6,1%).

Já na União Europeia, a dispersão atinge 41%, bem acima dos patamares observados no Brasil ou EUA. Ocorre que esse resultado é muito influenciado pelas taxas vigentes na Grécia (11,9%) e Espanha (12,6%). Excluindo essas economias da amostra, o coeficiente de dispersão europeu cai para 30%, próximo ao observado no Brasil. 

Os dados acima indicam que a mobilidade do trabalho tem limitações, ainda que seja protegida pelo marco legal. Essas se referem a questões linguísticas e culturais (obviamente mais intensas na UE), descasamento entre habilidades e vagas, custos de deslocamento e dificuldades no mercado habitacional (o cálculo econômico do migrante potencial é afetado pela perspectiva de obter moradia digna e minimamente acessível no lugar de destino).

Além das necessárias e justas políticas de desenvolvimento regional, esforços no sentido de reduzir os obstáculos à mobilidade da mão de obra, dentro e entre regiões, ajudariam os trabalhadores, no Nordeste e no país como um todo, que buscam oportunidades.

Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor