Cansaço extremo. Após treinos extenuantes, competições ou mesmo atividades atípicas, nosso corpo denuncia os impactos da sobrecarga: um mero caminhar torna-se desafiador. Não há acordo, é preciso descansar. A pessoa com fadiga muscular sabe que o dia segue, não nega que andar é importante para ela, mas está ciente que se ela não parar, sofrerá lesões. Para seu corpo voltar a funcionar, é preciso deixar os músculos descansarem.
Cansaço extremo. Após eleições extenuantes, uma avalanche de Fake News diárias – de ambos os lados – feeds monotemáticos, desavenças e da constatação que o absurdo existe, muitos corpos denunciam o impacto da sobrecarga: um mero post torna-se desafiador. Não há acordo, é preciso descansar. “Como assim descansar? A política não para, ‘eles’ estão aí, é o nosso futuro, blá, blá, blá”. Começo escutando, meus olhos reviram internamente, a civilidade dá sinais de despedida.
Ter ciência de que é preciso respeitar uma mera fadiga muscular, mas achar que é válido passar por cima da fadiga eleitoral de alguns feito rolo compressor, denuncia a hipocrisia no discurso “saúde mental importa” de tantos. A pessoa com fadiga eleitoral sabe que o dia segue, não nega que a política esteja imbrincada em tudo em nossas vidas, mas, se não desconectar, sofreará lesões. Sinto muito, não há acordo, é preciso descansar. Para a política finalmente voltar a funcionar, talvez seja preciso deixar as eleições descansarem.
Essa fadiga, tão específica, é sinal dos nossos tempos. Reduziram política a partidarismo. Esqueceram, ou desconhecem, que a própria origem do termo carrega em si a palavra grega “pólis”, relativo às Cidades-estados gregas, ou seja, transcende e MUITO o período de eleições.
Reduzir a política a candidato A ou B ou a um recorte de tempo eleitoral é esquecer que TUDO é político.
Sabe as roupas que você compra? Você saberia dizer se são feitas por trabalhadores com carteira assinada ou se vem em remessas do outro lado do mundo de um país sem direitos trabalhistas? Sabe o que você põe no seu prato? Você sabe dizer se é de um produtor local? Sabe aquele amigo que chama a ex de “louca”? Você sabe se ele já a agrediu? Você tem um amigo que não assumiu a paternidade dos próprios filhos? Você chama de “trouxa” a mulher que está em um relacionamento abusivo, mas nunca ofereceu ajudas reais para que ela possa sair?
Você fala que se solidariza com o burnout materno, mas já ofereceu descanso a alguma mãe? Você assina a carteira de trabalho da sua faxineira? Você realmente tem direito a meia entrada em teatros e cinemas ou finge só para não pagar o valor cheio? Afinal, a maioria dos locais nem confere se você tem mesmo esse direito... Todas essas perguntas redundam na organização e no funcionamento da pólis: todas são perguntas puramente políticas.
Este último exemplo, inclusive, me veio no último sábado. Fui ao teatro, assisti a uma peça do Moisés Loureiro, espetacular, por sinal. Era uma peça sobre política. Teatro José de Alencar, patrimônio de nossa cidade, lotado. Em determinado ponto, Moisés lê uma lista de cinco nomes. De todo o teatro, somente cinco pessoas compraram inteira.
A genialidade do artista, que por meio da pilhéria escancara a tragédia ética dos pequenos delitos, esconde em si outra questão política: alguém se importou em comprometer o seu cachê? O breve desconforto da plateia foi varrido para fora, o riso anestesiou, naquele momento, às vésperas da eleição, o desconforto de pensar que política é bem mais do que partidarismo, é bem mais que sinalização de virtudes ou levantar bandeiras. Entretanto, todos estavam ali, encarnando os politizados.
Portanto: sim, passada a fadiga eleitoral depois de um merecido descanso, precisamos falar mais de política.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora