Ontem foi dia 01.05. Abri o Instagram: “30 anos da morte de Ayrton Sena”. Sinto certa nostalgia. Tinha 6 anos e a princípio não entendi o que havia acontecido, mas aquele dia ficou marcado em minha história, vi os adultos chorarem. Continuo a rolar a tela. Como a cada dia primeiro, alguns posts dão boas-vindas ao mês que se inicia.
Outros lembravam que era dia de São José Operário. Havia, ainda, as postagens, principalmente de empresas, que me diziam insistentemente: “chegou o mês das mães”. Em meu íntimo, lembro que em maio comemoro em dose dupla a maternidade - além do dia das mães, neste mês, meu filho completa um ano.
Fico feliz, mas logo vem um aperto, um medo: Em maio, talvez, eu seja mãe novamente – há quase 8 meses aguardo Elisa. Seu irmão foi prematuro, oro para ela vir a termo, em junho, mas vai saber… e se ela escolher maio?
Em maio leciono meu último curso antes da licença maternidade. Também é neste mês de maio que ministro minha última palestra antes de me recolher por 4 meses com Elisa, nossa caçula. O mês de maio mal começou e já anuncia tantas coisas - memórias, comemorações, planejamentos.
Entretanto, sinto falta de algo. Nas anunciações de maio, parece que esqueceram do Dia do Trabalhador, 01.05. A pauta parece estar mofada. Por alguns minutos, fiquei inconformada: visitei um, dois, três, quatro, inúmeros grandes veículos de comunicação. Não sei ao certo o que buscava, mas arrisco dizer que era o anúncio de uma grande manifestação com pautas coerentes, atuais.
Queria ter encontrado notícias sobre diversas categorias, refletindo sobre o absurdo que é o mundo do trabalho hoje, repensando e buscando soluções conjuntas para os fenômenos hipermodernos e avassaladores que o precarizam, como a “uberização”, “pejotização”, “automação”, “desregulamentação”, “desindicalização” e todos os “ãos” que dilapidam a nossa dignidade enquanto pessoas que trabalham.
Queria ter visto discussões sobre o absurdo de jornadas estafantes; queria ter visto mães, donas de casa e outras trabalhadoras invisíveis manifestando-se para terem seus valiosos trabalhos reconhecidos.
Não encontrei absolutamente nada relevante. O mais intrigante que encontrei foi uma página, com quase um milhão de seguidores, que dizia: “Surubão trabalhista: exponha os segredos mais absurdos da firma agora que você não trabalha mais lá.”. Até o momento, a postagem conta com mais de 5.200 respostas.
Assumo que me perdi no tempo lendo as respostas com as mais diversas ofensas que os trabalhadores já passaram em seus empregos. Era triste ver a que eram submetidos, mais triste ainda que quase tudo ali era seguido de um “kkkkk”. A violação dos direitos dos trabalhadores é, por vezes, encarada como piada pelos próprios trabalhadores.
Tento compreender. Diante do absurdo, rir é estratégia de sobrevivência. Esquecemos que trabalhamos, estamos nos apagando enquanto trabalhadores. Afinal, parece que hoje somos tudo, de “colaboradores” a “empreendedores”, mas nunca “trabalhadores”.
Essa (in)consciência diluída se manifesta em várias áreas. Enquanto as notícias e postagens sobre burnout lotam nossos feeds, há o esquecimento coletivo de que se trata de um fenômeno puramente ocupacional, ou seja, diz das características do ambiente de trabalho, e não resulta unicamente da responsabilidade ou estrutura psíquica do trabalhador. Diante de ambientes de trabalho adversos, qualquer um de nós pode desenvolver burnout. Contudo, a maioria das notícias que colocam o burnout na pauta não buscam repensar a estrutura do trabalho moderno.
Infelizmente, também vivemos num tempo de fetichização de terapia - achamos que basta fazer terapia com um bom psicólogo, ter o contato de um bom psiquiatra que, “plim!”, seus problemas acabaram. Entretanto, qualquer profissional da área da saúde mental minimamente ético sabe que nosso trabalho possui um limite: a estrutura social, o que inclui nossas condições de trabalho
Vivemos tempos de pessoas adoecidas, muitas delas por causa do trabalho. Vivemos tempos de profunda alteração, precarização e reformulação do modelo de trabalho. Em que lugar vamos chegar? Quais os desafios do trabalho atualmente? Essas perguntas parecem estar em décimo plano. São perguntas inconvenientes.
Há muitas, incontáveis pautas, para abordar e conscientizar no Dia do Trabalhador. É um dia precioso para conscientização: muitos estão em casa, no feriado, tendo acesso a informações que não teriam em um dia comum. Havia muito espaço para discutir e conscientizar sobre questões importantes e atuais, que impactam ou impactarão profundamente muitas profissões.
Havia uma oportunidade ímpar para ter discussões amplas sobre o desfalecimento da saúde mental do trabalhador brasileiro. Mas, infelizmente, o que se sobressaiu foi o tal “surubão trabalhista” – o riso sádico da própria tragédia.
Neste contexto, não sei se população e o ativismo brasileiro perceberão a tempo, mas precisamos urgentemente falar sobre as condições de trabalho que somos submetidos dia a dia. Espero não esquecer do 01 de maio de 2025.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora