Uma nova “trend” invadiu os espaços virtuais nessa semana. A tendência chamada “você perdendo seus traços adolescentes” convoca a nós, internautas, a compartilharmos fotos de nossa adolescência em contraponto com fotos atuais. Com isso, é possível que sejam evidenciadas as mudanças físicas, assim como de outros aspectos de nossa vida (gostos pessoais, modo de nos vestirmos e portarmos etc.), que se transmutaram com o transcorrer do tempo.
Observando esse fenômeno, é quase impossível não fazer paralelos com sintomas da nossa sociedade atual, profundamente imersa em uma cultura de fetiche à estética corporal da “juventude”. É curioso até o vocábulo usado para a trend.
O verbo utilizado é o “perder” – e o uso do termo “perdendo traços”, e não “ganhando traços”, torna claro o viés do “copo meio vazio” a partir do qual o mundo pós-moderno enxerga o envelhecer.
A trend ignora os ganhos e vantagens do processo de envelhecimento: a experiência acumulada, que pode nos prevenir de entrarmos em inúmeras enrascadas; a possibilidade de solidez financeira e profissional; a cultura adquirida; o aumento de repertório; os vínculos estabelecidos, entre outros. As possíveis vantagens advindas do processo de envelhecimento são ignoradas. Sair do ápice da juventude parece ser somente um processo de perda, de decadência, de fracasso estético.
O uso do gerúndio (“perdendo”) na trend também chama atenção e foi alvo de debates online. Ao utilizar a palavra “perdendo”, pode-se passar a ideia de que o internauta ainda não perdeu tudo de sua adolescência; há um fiozinho de esperança de ainda ter traços juvenis. Esta interpretação virou até alvo de chacota e “memes” com os dizeres “amigo, você tem 34 anos, você já perdeu esses traços há muito tempo”.
Por outro lado, o uso do gerúndio também pode ser interpretado de um outro modo: como se houvesse implícita a palavra “processo”, como se a trend, na verdade, dissesse “poste o processo de você perdendo seus traços adolescentes”, ou seja, inserindo nas entrelinhas a ideia de que você já os perdeu e está somente apresentando o processo pelo qual essa “catástrofe” aconteceu.
É claro que, no processo de envelhecimento, “perderemos” traços físicos de nossa juventude, e “ganharemos” rugas, manchas, cabelos brancos, uma pele mais ressecada, um metabolismo mais lento, o que, para muitos, acarreta quilos a mais.
Entretanto, ao processo de envelhecimento, também está atrelado ganhos incomensuráveis em termos de maturidade, sabedoria e repertório – e esses ganhos parecem inteiramente ignorados. Na trend, há apenas a enfatização do ônus, e nada do bônus de envelhecer.
Independente da interpretação, o que chama atenção é seu poder viral, tendo sido reproduzida milhões de vezes, comentada e debatida, reverberando de modo diferente para muitos – alguns apresentavam suas fotos de modo nostálgico, até entristecidos; outros, se enchiam de orgulho, evidenciando semelhanças com a pele da juventude (omitindo, é claro, os inúmeros procedimentos estéticos realizados ao longo dos últimos anos). Houve ainda aqueles que aproveitaram o momento para filosofar, para evidenciar que a vida tomou rumos que eles jamais pensariam durante suas adolescências.
Em todos os casos, sobressai-se a juventude. E não podemos esquecer que a juventude também é um produto, uma mercadoria. Já nos anos 80, uma música de Humberto Gessinger dizia: “a juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes”. Ou seja, a juventude como um conceito pré-fabricado, é marketizada, idealizada e oferecida como propaganda para vender estilos de vida.
Manter o corpo esbelto, ao estilo “jovem”, custa muito dinheiro – é um filão econômico que, costumeiramente, é explorado à exaustão e imposto aos mais velhos. De um modo geral, a meta é parecer o menos velho possível, escondendo, assim, as marcas do tempo.
A estética jovem parece seduzir a grande maioria, tendo forte apelo midiático. A jovialidade tem ganhado bastante espaço até mesmo entre os políticos. Se, outrora, era de bom tom os políticos se apresentarem com ares de mais velhos, exalando suas experiências (que somente o passar do tempo poderia ter proporcionado), agora, talvez fugindo do ‘efeito Biden’, os políticos têm, de um modo geral, se apresentado sob o aspecto jovem.
Das trends de redes sociais ao posicionamento de figuras públicas, os traços jovens parecem ser o maior objeto de desejo. O etarismo não se revela apenas em ofensas ou discriminações escancaradas contra pessoas idosas. O etarismo se faz presente também (e talvez sobretudo) na obsessiva ode à juventude, no imperativo social de se apresentar como jovens, tentando negar, ainda que de maneira um pouco canastrona, os efeitos naturais do tempo.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora