A solidão do meio termo

1%. Apenas 1% do eleitorado está indeciso. Já não adianta tentar convencer o outro de coisa alguma. Ainda que representem a ínfima parte do todo, esses indecisos parecem ser a fatia mais cobiçada de ambos os lados do jogo político. Os indecisos, espécie em extinção em nosso país de verdades absolutas, parecem cometer um crime grave.

São interpelados, convocados a se posicionarem. Manter o direito ao sigilo do voto também parece se configurar como novo crime nos tribunais da internet. O direito ao sigilo do voto se tornou um anátema - há uma nova exigência cívica que nos impele a dizer aos quatro ventos: voto em X, voto em Y.

A preocupação desmedida com os indecisos, assim como a fiscalização daqueles que não vestem a bandeira de candidato algum - muitos dos quais votarão com extremo desgosto - esconde o perigo das verdades absolutas que os 99% dos decididos parecem carregar.

Como 99% da população brasileira, esta que vos fala também tem seu voto decido e ao me perceber fazendo parte da manada, ao me deparar com a ausência de pontos de interrogação, gelei. Lembrei que opostos costumam ter mais semelhanças entre si que diferenças. Uma blusa ao avesso continua sendo uma blusa. E os dois lados tão semelhantes, tão certos de si…

E é nesse contexto de certezas de ambos os lados, que um novo conglomerado surge, formado pelos indecisos, por aqueles que se recusam a se fantasiar de eleitor engajado, por aqueles que preservam o direito ao sigilo do voto, por aqueles que estão envergonhados pelas possibilidades políticas que se apresentam.

Estes, juntos e, paradoxalmente, isolados, vão compondo a solidão do meio termo, cara àqueles que, pelo motivo que for, escapam das verdades absolutas de ambos os lados.

Os arquétipos dos extremos, de ambos os lados, constrangem os solitários, querem um voto declarado e com orgulho, cores vibrantes e bandeirinhas. Os arquétipos dos extremos, de ambos os lados, não se importam com os valores que os solitários pregam, não se importam se eles são humanistas, que propaguem a importância do conhecimento, da pesquisa científica, da universidade pública, denunciem as falácias de uma sociedade do hiperconsumo desenfreado.

Para os embriagados das próprias verdades, de ambos os lados, o mais importante é apenas afirmar: "Voto no X" / "Voto no Y". O debate de ideias, caro à democracia, dá lugar ao ativismo panfletário e preguiçoso, ao ativismo recreativo, de entretenimento, que inunda nossos feeds.

Os arautos da esquerda e da direita parecem não suportar pontos de interrogação, parecem não respeitar os solitários, constrangem, convocam e parecem esquecer que não estar alinhado às polaridades, pode ser a saída definitiva da polarização que nos aprisiona.

 

* Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora