A pouco mais de um ano dos Jogos Olímpicos de Tóquio, três promessas cearenses encaram os desafios de se preparar para a principal competição esportiva de suas vidas, num cenário novo, de pandemia e com restrições. Rebecca Silva, Silvana Lima e Vittoria Lopes contam como vêm driblando as adversidades.
O Ceará é referência do vôlei de praia nacional, local de origem de grandes atletas na modalidade, medalhistas olímpicos, como Shelda, prata em Sidney 2000 e Atenas 2004, e Márcio Araújo, prata em Pequim 2008. O Estado tem nas próximas Olimpíadas mais uma chance de pódio na categoria, com Rebecca Silva, que faz dupla com Ana Patrícia e está entre os brasileiros classificados. Ágatha/Duda, Bruno Schmidt/Alison e Evandro/Álvaro Filho completam a equipe brasileira.
A cearense e a mineira percorreram um caminho até a classificação marcado pela regularidade. No ano passado, que definiu a conquista da vaga, por exemplo, a dupla foi a que mais vezes subiu ao pódio no Circuito Mundial. Já em 2020, a preparação para o sonho olímpico seguia intensa, com o título nacional praticamente encaminhado, após a conquista da etapa de Aracaju, em março, até que, assim como quase todo o mundo, o vôlei parou. Sem perspectivas de retomada, elas foram sagradas campeãs da competição em maio, sem entrar em quadra. O primeiro título que conquistaram dessa maneira inusitada: sem precisar jogar e durante a pandemia do novo coronavírus.
O que era uma rotina intensa de treinos se tornou novo. Basicamente fazendo exercícios em casa e separadas, esse foi o cenário que marcou a preparação há até cerca de três semanas, quando retomaram o treino juntas em uma quadra particular. A alegria de voltar a treinar, não deixou de lado a preocupação com o que temos vivido diante do novo coronavírus.
Com equipe reduzida e todos os cuidados de higiene, a dupla se adapta ao “novo normal”, ainda com o futuro incerto. O objetivo principal é a disputa olímpica e o medo de um possível cancelamento deu espaço ao alívio por conta do adiamento. “Na verdade, no início a gente ficou muito assustada, mas mais com medo do cancelamento. Como resolveram adiar, para a gente vai ser muito melhor, para ter mais tempo de se ajustar, treinar e chegar da melhor forma possível”, disse Rebecca.
Entre as poucas mulheres cearenses que representarão o Estado, a atleta não vê isso como pressão, mas sabe da responsabilidade e fica feliz em conseguir dar sequência e manter o legado de representantes cearenses no vôlei de praia.
Estreia nos Jogos
Quem também vai estrear nas Olimpíadas e junto com a própria modalidade é a Silvana Lima, surfista multicampeã. Iniciada nas águas do Paracuru, a atleta de 35 anos, hoje mora no Rio de Janeiro e o mar do Recreio, na zona oeste carioca, é palco da preparação, por pelo menos quatro horas diárias. A pandemia chegou alterando a rotina de treinos, no mar e na academia. A ausência de campeonatos ainda é a realidade, também sem previsão de retomada.
Sobre a estreia da modalidade nos Jogos, ela conta que é um sonho antigo e as expectativas são as melhores por viver essa conquista. A surfista encara o adiamento da competição como uma possibilidade de ter mais tempo para treinar e chegar ainda melhor preparada à disputa. O orgulho de estar entre o grupo seleto de cearenses nas Olimpíadas é alegria. “Para mim, está sendo uma honra representar o Ceará, o Brasil e minha cidade, Paracuru. É um orgulho muito grande que tenho [...], estou muito honrada em fazer parte desse momento incrível do surf nas Olimpíadas”, conta Silvana.
Treinos adaptados
Já para Vittoria Lopes, o caminho até Tóquio é logo ali, perto, mas não concreto. A cearense, destaque no triathlon, tem, atualmente, índice para a vaga olímpica, que seria definida em maio, mas por conta da pandemia, houve adiamento para o mesmo mês do próximo ano. O esporte, para a jovem de 23 anos, vem no DNA. Vittoria é filha de Hedla Lopes, primeira nadadora do nordeste a representar o país em uma edição dos Jogos Pan-americanos, no México, em 1975.
A rotina de treinos, afetada pela pandemia, começa a ganhar novos traços. A necessidade de treinar três modalidades, natação, ciclismo e corrida requer ainda mais organização da atleta para equilibrar o desempenho e diante da impossibilidade de manter a rotina, o jeito foi se adaptar. Vittoria está em Boulder, no Colorado (EUA) desde março, no início não podia nadar; pedalar e correr apenas ‘indoor’, assim como a musculação, dentro de casa. Hoje, já consegue avançar nos treinamentos e utiliza uma piscina com hora agendada e todos os cuidados.
Vittoria deve estar no grupo que o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) pretende levar para treinar em Portugal, mas ainda não há uma data definida, já que a Europa vetou a entrada de brasileiros por tempo indeterminado devido à situação do Brasil, em relação ao novo coronavírus. O COB, em nota, afirmou acompanhar as medidas de restrições e trabalhar com uma janela de treinamentos do que seria a “Missão Europa”, entre julho e dezembro e acredita que ainda será possível o envio dos atletas.
Enquanto não há essa definição, Vittoria segue nos Estados Unidos, e viu o adiamento das Olimpíadas como uma possibilidade de fortalecer os treinamentos, principalmente, na corrida. Representar o estado é para a triatleta muito gratificante e um orgulho, do qual já pôde sentir um gostinho com a conquista da prata no Pan de Lima, em 2019. “Depois que eu ganhei a medalha nos Jogos Pan-Americanos, eu consegui me enxergar fazendo história. São poucos os medalhistas pan-americanos e os que vão para as Olimpíadas. Saber que eu estou fazendo parte da história do Ceará, é muito gratificante, só me dá orgulho”, conta.
Três mulheres, Três cearenses. Três sonhos olímpicos. Três trajetórias que não se cruzam, mas carregam em comum pelo menos três marcas que levam atletas ao principal palco de disputa esportiva: dedicação, preparação e superação.