Massafeira Livre e os ecos da Semana de Arte Moderna de 1922

Um século depois, o movimento segue modificando as estruturas da nossa cultura e já encorajou muitos pensamentos

Há exatamente cem anos, o palco do Theatro Municipal de São Paulo recebeu um dos mais importantes movimentos culturais deste país. A Semana de Arte Moderna, aconteceu entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 2022 e contou com inovadoras apresentações literárias, musicais e demais artes.

A ideia do movimento nasceu de mentes brilhantes como de Oswald e Mário de Andrade e buscavam uma arte mais nacionalista (vale lembrar que na época a palavra tinha um teor bem diferente dos tempos atuais) e desejando um novo momento para o mundo, devido o período pós-Primeira Guerra. 

Nos dias de agitação causado pelo evento, nomes Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Manuel Bandeira, Heitor Villa Lobos e outros modernistas tiveram a oportunidade de expor aquele turbilhão de ideias, mesmo que muitos foram brutalmente esmagados pela crítica conservadora.

Diante tamanha revolução e audácia, a Semana de Arte Moderna modificou estruturas e fez escola quanto à liberdade de “fazer arte”. A quebra de paradigmas e de pensamentos pré-concebidos passou a ser inspiração de quem sonhava em viver em um novo Brasil. A nossa música sentiu esse impacto e teve até cearenses se inspirando em tudo isso

A SEMANA DE ARTE CEARENSE

Quase sessenta anos deste evento tão inovador, cearenses ilustres entraram na onda e resolveram criar o seu próprio movimento. Massafeira Livre, foi a nossa Semana de Arte, e foi sediada no ambiente sagrado que é o Theatro José de Alencar. Organizado pelo genial cantor e compositor Ednardo e co-produzido pelo sensacional Augusto Pontes, o momento abriu espaço para apresentações de jovens e veteranos artistas, em um período que a arte mais que nunca precisava resistir.

Além dos já mencionados artistas, a edição do Massafeira Livre teve a participação de Rodger Rogério, Teti, Mona Gadelha, Calé Alencar, Petrúcio Maia, Cirino, Stelio Vale e até o eterno Patativa do Assaré. Entusiasmados com a ideia, o movimento também ganhou apresentação de artistas de fora do Estado como Zé Ramalho e Walter Franco.

Essa apoteose de ideias fez com que muitos jovens, repletos de talento e sonhos se deixassem transbordar nas artes o qual defendia e, apesar de englobar outras manifestações culturais, a música vista como a mais popular ganhou destaque.

Mesmo alheio a comparação, é importante entender o teor político e social no qual a Semana de Arte Moderna de 1922 e o Massafeira Livre existiram. O primeiro, em um período depois da Primeira Guerra, quando o país queria se mostrar como nação independente do mundo e rompendo com um novo que não cabia mais. 

Já no nosso movimento cearense, este foi tão ousado quanto! Invocar novas Utopias no ano de 1979, quando vivíamos um momento delicado da ditadura militar que vigoraria no Brasil até 1985, só mostrava o desejo por liberdade de expressão e levantava a bandeira do que o povo mais desejava: democracia! 

Sem ser repetitivo, mas este é mais um motivo que faz respeitar a figura quase mitológica do cantor Ednardo como fomentador de uma história tão bonita, e que ele termina por ser um dos seus maiores defensores. Também aproveito, para destacar o cartaz de anúncio do festival assinado pelo arquiteto e compositor Brandão, falecido no último ano.

A segunda edição do evento veio um pouco depois, em outubro de 1980, quando enfim foi lançado registro fonográfico em longplay ainda da primeira edição. Mesmo assim, o movimento nunca se findou, sendo sempre rememorado ou reavivado quando tratamos da nossa cultura.

LIBERDADE

A pluralidade da cultura brasileira segue emocionando e gerando frutos. A Semana de Arte Moderna Paulista em 1922 segue agitando corações e mostrando que nada, quando se trata de arte, surge em vão. Reverberações como essa que permitiram o nascimento, por exemplo, do Tropicalismo e toda sua carga na nossa música.

Alheio às críticas e sonhando com inusitado, a coragem de Oswald de Andrade ao fazer seu Manifesto Antropófago corre nas mesmas veias que Caetano ao compor sua “Alegria, Alegria” e Ednardo ao alçar vôo na fênix cearense que é o “Pavão Mysteriozo”. São idealizações que dão certo dentro de uma arte almejada para ser resistência.

O centenário da Semana de 22 não pode ser visto como lembrança e sim como um reforço de que é preciso ser e fazer a história! É necessário coragem para lhe dar com o novo e fôlego para lutar por um tempo diferente, onde a liberdade não seja castrada nem por leis, vozes ou gestões.