Hétero Tops, Esquerdomachos e a ilusão de que ser homem bastaria

Em novo single, Tiago Iorc fala dos dilemas da “masculinidade” mas falha ao cair em uma auto vitimização desnecessária

Uma das definições da palavra “masculinidade” no dicionário é “um ser que apresenta um comportamento viril”. A frase muito me assusta afinal, em pleno século XXI, os significados do que é ser “homem” continuam na ideia pré-histórica da disposição sexual, da potência de membros e corpos que ecoam em desejos, sempre subjugando os demais.

É essa palavra, a tal da "masculinidade", que nomeia o novo single do cantor Tiago Iorc, trabalho que surge após longo período de afastamento dos palcos. A música, fruto da parceria com a dupla Lux & Troia, trata de questionar essa tal definição do gênero, além de criticar uma sociedade dominada pelo patriarcalismo desenfreado e autoritário. 

É importante dizer que não existe um único tipo de perfil machista. Nos tempos atuais, por exemplo, duas expressões, mesmo que esteriotipadas, tem ganhado destaques na linguagem popular: são os “hétero tops” e os “esquerdomachos”. Com características distintas, a prepotência, o abusivo, a agressividade são pontos de convergência que resultam da luta de ambos pela mesma disposição viril.

O primeiro, se sente o tal “alfa” e faz retornar o humano aos instintos mais primitivos e selvagens, ostentando a voz alta, a arrogância e o preconceito. Desfilam suas camisas de “gola polo” junto de garrafinhas verdes para se sentirem superiores e donos de tudo, inclusive das mulheres.

A segunda categoria, talvez a mais disfarçada, são aqueles homens que possuem um bom papo, metidos a progressistas, falam de artes e até dizem defender o feminismo. Mas na intimidade, por trás da capa de roupas “cool”, são abusivos e canalhas da mesmíssima forma do outro grupo.

Acusando os “heterotops”, Tiago Iorc se mostra um legítimo “Esquerdomacho” em sua vitimização barata. Ele pode até mostrar o real, mas não convence ao dizer que o veste. É quase que irracional cair na ladainha de acusações que deveriam voltar para si, quando se coloca no centro de uma vitimização existente porém errônea. 

Além de insossa, a música não trabalha a sinceridade de quem mais parece está fazendo uma boa chantagem emocional e se sentindo melhor que os demais por afirmar que tem sentimentos. O lançamento e suas contradições também nos fazem refletir quanto nossa posição diante disso tudo.

“O que é ser homem?”

“Um dia, vivi a ilusão de que ser homem bastaria”, esse é um dos trechos mais lindos da história da música brasileira, em minha opinião. Pertence ao agora imortal Gilberto Gil, que em “Super Homem - A canção”, esbanja sua porção mulher. Certa vez, ao ser questionado sobre a letra em entrevista, o baiano respondeu rápido: e todos nós não viemos de um pai e uma mãe?

Em um mundo de tantas intolerâncias onde o patriarcado machista dita regras, reforço a arte como forma de questionamento. A música compreende que a essência de tudo é a sensibilidade e esta independe de raça, credo, gênero ou classe social.

Quando isso volta à letra proposta por Tiago Iorc, várias visões podem ser observadas e vários partidos tomados diante a analogia da música. Muitos estão criticando, outros elogiando e até aplaudindo. Agora, se olharmos para a obra separando o lado sentimental e tentando absorver sua identidade é preciso fazer várias ponderações.

No decorrer dos mais de seis minutos de "Masculinidade", a faixa ganha uma conotação autobiográfica do autor que conta seus dilemas e o motivo de ter se afastado da própria carreira. Ele acusa o machismo, e se põe como vítima dele, menciona até seu pai e seus antepassados como frutos infelizes dessa sociedade patriarcal.

O importante frisar é que mesmo tendo muitos homens  reféns desse “regime” pré-existente e alguns até sofram por isso, não podem ser considerados as vítimas dessa sociedade. Concordar isso é negar o número de mulheres violentadas diariamente em suas mais diversas formas, castradas de fala em um mundo desigual e segregador.

Não existem heróis

O machismo segue enraizado na mente masculina, mesmo os que o negam possuir. Somos reprutores de uma sociedade patriarcal e é preciso trabalhar todos os dias como quebrar esse sistema, unindo vozes e repensando pequenas atitudes e até omissões.

Ainda que esteja em seu local de fala, o compositor ao questionar a masculinidade deveria colocar em reflexão que a vítima do machismo é o feminino. Sua tentativa de ser “super homem” termina por ser frustrada diante vários olhares que enxergam a música como uma estratégia de marketing para esse retorno ao meio artístico.

Não devemos esperar que surjam “Super Homens” que mudem o curso da história por causa da mulher, isso não existe e nem devia ser imaginado. Ninguém é herói e não pode ser exaltado quem não faz mais do que sua obrigação quanto humano e cidadão. Admitir falhas e sentir, deveria ser mais naturalizado do que se imagina e não se tornar um jogo de sedução que beira abuso psicológico.

Ao tentar reproduzir o acerto de “Desconstrução”, faixa de seu último álbum, Tiago Iorc errou na conotação que cai em uma auto exaltação do homem que sofre por ter emoções. Seu discurso escapa e adentra no machismo que muda de nome, forma e até visual, mas continua ignorando a voz das mulheres.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.