“Tudo é política” é uma das frases mais certeiras. Cada ato ou gesto dentro de uma sociedade tem certa finalidade maior, é um movimento mais delicado do que podemos imaginar. Estamos em ano eleitoral, no próximo outubro iremos às urnas escolher nossos representantes, aqueles que vão nos governar em âmbito Federal e Estadual, além dos demais cargos no legislativo para a Assembléia, Câmara ou Senado.
Mas se esta coluna é sobre música, qual o motivo que falo de eleição? Hora, o nosso cancioneiro popular interferiu nos trilhos políticos do Brasil. Exemplo disso é que, mesmo alguns se esquivando de opinião partidária, sempre encontramos nesses momentos nossos artistas subindo em palanques e defendendo posicionamentos.
Na década de 1970, ainda nos anos pesados do Regime Militar, muitos cantores regionais eram estrelas de comícios no interior do Nordeste. O próprio Luiz Gonzaga teve longos conflitos com o filho, Gonzaguinha, devido às suas apresentações para os apoiadores da ditadura.
Causos interessantes podem até ser contados sobre o tema. Um deles foi com João do Vale, quando o compositor foi contratado para cantar em uma festa de um político lá pelas Alagoas. Chegando lá, os Coronéis enfileirados no palco e o maranhense resolveu cantar seu maior sucesso “Pisa na Fulô”.
O público se animou e João também! “Pisa na Fulô, Pisa na Fulô e não maltrate o meu amor”, aqueles versos repetiam felizes na boca da população. Se passaram cinco, dez, quinze, vinte minutos e nada de mudar a faixa do show, até que um dos líderes chamou João e ameaçou: eu lhe trouxe lá do Rio de Janeiro, lhe paguei um preço alto e você só canta só uma música? Cante outra, rapaz!
Comício é comício e quem manda é o candidato. João do Vale pede silêncio ao povo que já cantava só. De repente aquele homem alto, forte, pés descalços e camisa aberta começou a entoar para aqueles sertanejos e bóias frias:
“Eu sou um pobre caboclo/Ganho a vida na enxada/O que eu colho é dividido/Com quem não “prantô” nada/Se assim continuar/Vou deixar o meu sertão/ Mesmo os olho cheio d'água/ E com dor no coração/Vou pro Rio carregar massa/Com os pedreiro em construção/Mas plantar pra dividir/ Num faço mais isso não”.
Escutando aquela letra clamante por reforma agrária, o candidato o puxou e disse: João, é melhor cantar aquele “Pisa na Fulô” mesmo.
É, o tiro saiu pela culatra, ou ao menos a escolha não era adequada já que o artista foi símbolo de gritar pela igualdade no espetáculo “Opinião” junto de Nara Leão e,posteriormente, Maria Bethânia. Apesar disso, tiveram contratações que deram certo e elegeram políticos.
Foi o caso de uma eleição em Pernambuco onde o candidato contratou Reginaldo Rossi para cantar antes do discurso. Depois de cantar meia dúzia de músicas, o Rei do brega soltou a seguinte pérola: “Eu fui traído por uma mulher, sofri, chorei, mas ela continuava me traindo, então decidi mudar. Me separei, me apaixonei e agora sou feliz. E vocês? Querem continuar sem esgoto, saneamento básico e saúde? Chegou a hora de mudar”.
As falas podem nem ter sido tão sinceras, mas o tal concorrente conquistou a vitória com uma grande margem de votos. Dizem os pernambucanos que até hoje o político reza pela alma do Rossi devido o feitio e os dizeres tão óbvios e certeiros para quem deseja alcançar o apelo popular.
Há também quem deu sua voz para interpretar os famosos jingles, isso acontece até hoje, mas o que muita gente não imagina é que esse tipo de composição se eternizou pós eleição e virou até marchinha de carnaval.
Getúlio Vargas foi o Presidente que mais governou o Brasil. Na primeira vez passou quinze anos (1930-1945), transitando por várias fases, inclusive da inconstitucionalidade. Depois, dele assumiu o Eurico Gaspar Dutra, com apadrinhamento do gaúcho de São Borja. No fim do mandato (fracassado) do General, Getúlio quis voltar para o Catete, mas agora deveria ser com o clamor popular por meio do voto.
Para limpar a imagem do ex-ditador e o firmar como pai dos pobres, Haroldo Lobo e Marino Pinto compuseram a marchinha “Retrato do Velho”, composta em 1950, virando sucesso no Carnaval do ano seguinte na voz de Francisco Alves. A letra cantava: “Bota o retrato do velho outra vez/ Bota no mesmo lugar/ O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar”.
Em uma estratégia parecida, Jânio Quadros, em 1960, quando foi candidato a Presidente da República pelo Partido Trabalhista Nacional, lança o refrão “Varre, varre, vassourinha”. Eleito ao maior cargo executivo do país, o Professor só passou meses no poder, pois renunciou por motivo de forças ocultas, mas os versinhos ficaram eternos na memória popular.
Tudo tem sua ideologia, nossos artistas não fogem disso e, de forma intencional ou não, a música já interferiu em eleições. As canções são sempre fundamentais e tem muito a ensinar para vários dos nossos candidatos, afinal, como já afirmou o escritor francês Gustave Flaubert: “De todas as mentiras, a arte é ainda a menos falsa”.