Daqui a cinco dias a parte do mundo que se interessa voltará a conviver com as mulheres que fizeram de Sex and the City, da HBO, uma série de assombroso sucesso. Desde já, e com o nariz torcido de uma multidão, vemos mudanças bruscas no horizonte: o famoso quarteto virou um trio por conta das tretas da vida real entre Sarah Jessica Parker (Carrie) e Kim Cattrall (Samantha). Cynthia Nixon (Miranda) e Kristin Davis (Charlotte), porém, continuam firmes e fortes - o que, por si só, é surpreendente, falo sobre isso mais à frente.
A nova temporada vai ao ar 23 anos após a estreia e, como bem sabemos, o tempo passou de forma indigesta para a atração baseada no livro de Candance Bushnell. Ao longo dos anos, a série é acusada de ser elitista, racista, gordofóbica, machista, e isso só para deixar a lista curta. Temas que renderam risadas no começo dos anos 2000, agora viraram anomalia e ganharam, com razão, desprezo de um público que é hoje mais atento e politizado.
Mas.
Há relevância em SATC. Há pontos que, difícil negar, lançaram questões positivas na cultura, entretenimento e comportamento, apesar de tudo. Cinco delas pontuo aqui, partindo de uma experiência pessoal:
1. Mulheres não precisam competir por homens: em seis temporadas, 94 episódios e dois filmes não há uma vez em que uma das quatro brigue com outra por conta do interesse no mesmo cara. Parece básico, mas é louvável. Mesmo na semi-desconstruída Girls, Hannah (Lena Dunhan) destrói suas amizades por contas de rapazes (péssimos, por sinal). Dá uma canseira.
2. Amizade entre mulheres é coisa bonita de se ver. A relação entre as quatro é o que há de mais sólido na série e isso é pautado em cada episódio. Na sexta e última temporada, inclusive, Mr. Big (ex|atual de Carrie) pede conselhos a Miranda, Charlotte e Samantha, argumentando que todos os caras que passaram pela vida da escritora conquistavam, quando muito, um quarto lugar no coração da mesma. O pódio era ocupado pelas amigas. Ele estava certíssimo (pelo menos nisso).
3. O tema da liberdade sexual nos deu boas ideias. A personagem de Cattrall, além de ser a mais engraçada, nos sugeriu que parássemos de pedir desculpas pela quantidade de parceiros, parceiras, diversidade de experiência e experimentações. Mesmo depois de quase perder um emprego por ser quem era, Samantha se manteve confiante sobre sua vida sexual, jamais envergonhada, e ainda disse ao seu chefe que, caso fosse homem, seria admirada por seu comportamento e não o contrário.
4. O questionamento da maternidade foi um alívio. Lembro até hoje do episódio em que Carrie é diminuída pelo seu vício em sapatos e é posta na parede por ser adulta e não ter uma família. Depois de se martirizar, a protagonista conclui que o dinheiro é seu e faz com ele o que quiser, que se há mulheres gastando com filhos, ela tem direito de investir em outras escolhas. Lembro, nitidamente, que a primeira vez que achei ok a ideia de não ser mãe - que mantenho até hoje por razões muito mais consistentes - foi por conta desse episódio.
5. O casamento não é a única fonte de realização. Mais uma vez, Samantha brilhou: priorizava a carreira, gostava de ganhar muito dinheiro, de estar em posição de liderança, de ter diversos parceiros sexuais, achava limitante a ideia de ter filhos e casar. Ou seja, era apenas o que muitos homens são. Quando, no primeiro filme, se viu dentro de uma relação que se aproximava de um casamento infeliz, arrumou as malas e foi embora. Porque se amava mais, palavras dela.
Mesmo destacando os tópicos acima, naturalmente, não há motivos para dizer que SATC é uma série feminista, muito menos progressista. Também não acredito que os panfletos estavam nos planos dos produtores, a proposta era essa. Mas também não dá para negar que, com a ajuda do quarteto, há temas que começaram a esboçar alguma normalidade para nós, mulheres.
Por último, faço coro a quem lamenta a falta de Kim Cattrall na nova temporada. Samantha é a personagem mais querida e deixa um buraco. Embora, a bem da verdade, isso soe a princípio como a coisa mais honesta dos novos episódios: quantas amigas achamos que teriam lugar cativo na nossa vida e não sobreviveram à dança das cadeiras? Quantas pessoas, outrora fundamentais, hoje não cabem mais no que somos? É esperar para ver se, como na vida, lamentaremos essa ausência ou se o espaço que se abriu fará todo sentido.insr
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.