O português de Portugal está mudando, aos poucos, como qualquer língua viva muda. Ouvi dizer que a preocupação de algumas mães de lá agora é o sotaque brasileiro adquirido pelos seus filhos, “vítimas” da enxurrada de conteúdo consumido na TV, na rua, nas escolas e, sobretudo, na Internet. Que bom, esse aceno ainda que tímido de um jeito de falar que nos una é coisa a se celebrar, porque ser brasileira e falante de português acabou nos jogando para escanteio. Explico.
Aqui na gringa, nós, brasileiros e brasileiras, somos sul-americanos, latinos, o que, por si só, é um problema. Somos uma minoria marginalizada no continente europeu ou pelos lados da América do Norte. Ter nascido nessa parte do mapa nos coloca naquele lugar estereotipado dos traficantes, violentos, das prostitutas, dos pilantras, dos ilegais. Nenhuma novidade.
Acontece que, mesmo dentro dessa comunidade que sofre por ser marginalizada, não somos suficientemente latinos porque não falamos espanhol. Somos uma nação de 202 milhões indivíduos isolada num continente imenso por conta do idioma. Centenas de milhões de pessoas sozinhas - veja só o paradoxo - porque dos 20 países que compõem a América Latina, só nós falamos a língua de Camões. Opa, quer dizer, nem isso.
Se a língua não nos conecta a contento com a comunidade latina, pensamos aqui com nossos botões, nos aproxima, então, dos nossos irmãos portugueses, certo? Errado. Na terra de Saramago, não falamos português, falamos brasileiro.
Por conta disso, do sotaque e de algumas expressões diferentes, não somos dignos dos mesmos empregos (embora na maioria das situações sejamos mais qualificados do que nossos colegas europeus), nem das mesmas oportunidades, somos intimidados nas universidades e estigmatizados a cada vez que abrimos a boca. É comum, por exemplo, professores exigirem que determinado trabalho seja entregue em “português de Portugal” ou que jornalistas experientes não arrumem empregos em veículos de comunicação por não falarem tal e qual os nativos.
O português falado em países africanos como Moçambique e Angola soa mais parecido com a língua original do que a nossa. Nós somos os anarquistas, fruto de uma mistura cuja origem é sabida, mas que já se modificou de tal forma que, dizem eles, virou outra coisa. E o veredicto é: somos latinos, mas nem tanto porque espanhol não é nossa língua-mãe, nem falamos português “bom o bastante”, mesmo sendo nós a maior nação lusófona do planeta.
Acontece que 202 milhões de falantes não podem ser ignorados. Se hoje o mundo ouve um português moderno, fresco e interessante é por nossa causa. Se hoje empresas de comunicação, de jogos, start-ups ou gigantes dos negócios internacionais exigem fluência em português não é pelo que é falado pelos parcos 10 milhões de habitantes em Portugal, mas porque somos - nós, brasileiros - uma montanha de gente que produz e que consome.
Do lado de cá, torço para que a língua portuguesa continue se modificando, se adaptando às diferentes realidades e contextos sociais porque é disso que um idioma é feito. Língua parada morre. Torço para que o idioma nos aproxime e que as diferenças, ainda que sentidas, sejam festejadas. Torço para que a criatividade do idioma falado no Brasil conquiste cada vez mais espaços. E se tiverem que chamar de língua brasileira, que assim seja, porque, afinal, é meio isso mesmo. Perde é quem vê essa riqueza como algo menor.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.