Quando cheguei em Portugal, há três anos, chamou-me a atenção o fato de à hora do almoço, na cantina da universidade, alunos e professores acompanharem as refeições com uma taça de vinho. Por sempre ter associado tal bebida a ocasiões especiais – encontros românticos, brindes festivos, jantares solenes −, surpreendeu-me a informalidade com que os portugueses se relacionam com ela.
Mas bastaram poucos dias para me familiarizar com a situação. Em todos os locais, mesmo nos restaurantes e tasquinhas mais populares, a taça de vinho é onipresente à mesa cotidiana dos portugueses. O operário de macacão sujo de graxa ou de tinta não a dispensa. O casal de velhinhos na mesa ao lado, idem. O senhor de boina e bigode, também. A senhorita com ares de jovem executiva, do mesmo modo.
O melhor é que ninguém faz pose de sommelier. Não cheira a rolha com expressão esnobe, não ergue a taça inclinada no ar para fingir admirá-la contra a luz, não fica girando-a pela haste sobre a mesa, em pequenos movimentos, a pretexto de oxigenar a bebida. Simplesmente, bebe-se.
Nada de pedantismo, pomposidade, afetações. Ninguém enfia o narigão no copo em busca de adivinhar notas de couro, jasmim ou especiarias. Nem descreve o que está bebendo como um vinho “confiante”, “tímido”, “corajoso” ou “enérgico”. Há, apenas, bons e maus vinhos.
Não à toa, por cá, um bom copo de “vinho da casa” custa menos do que uma lata de refrigerante – ou o equivalente a uma prosaica água mineral. Nas prateleiras dos supermercados, há opções para todos os paladares e bolsos.
Uma garrafa de vinho bem razoável – a mesma que no Brasil é vendida a preço de três dígitos – pode ser comprada aqui por menos de 5 euros. Às vezes, menos. Embora haja, é claro, outros bem mais caros. Mas o fato é que mesmo quem quiser investir apenas 2 euros em um vinho, não sairá de mãos vazias.
Resultado: desde que chegamos, eu e Adriana não jantamos sem a companhia de uma garrafa de vinho. Ficamos atentos a promoções sistemáticas, quando rótulos de qualidade superior são oferecidos com até 70% de desconto. Troquei a cervejinha – que sempre foi minha bebida predileta no Brasil – pelos tintos, brancos, verdes e rosés.
A propósito, numa de minhas primeiras idas ao posto de saúde pública para exames de rotina, a médica de família me perguntou se costumava fumar ou beber. Nunca fumei, respondi. Mas desde que cheguei a Portugal, não dispenso o vinho ao jantar, todas as noites, admiti, réu confesso, um pouco acabrunhado.
Ela soltou um muxoxo e comentou:
“Perguntei se bebes de verdade, ‘bebidas brancas’, destilados; vinho não conta, toda gente bebe, a toda hora, inclusive eu”.
Saí do consultório, passei no supermercado e comprei uma garrafa de vinho tinto.
“Saúde!”, brindei, mais tarde, com Adriana, rindo-me do trocadilho.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.