Os turistas estão de volta. Não aprendemos nada com a pandemia?

É alto verão aqui no hemisfério norte e a cidade onde moro, o Porto, está lotada de turistas. Nas belas e ensolaradas ruas do centro histórico, o idioma que menos se ouve é o português. Com os altos índices de vacinação no continente e a consequente reabertura das fronteiras europeias após o fim do confinamento, há estrangeiros por todo lado.

Espanta-me, nessa desmedida babel, a pressa e a avidez com que as pessoas voltaram a circular, bater perna, aglomerar-se, como se nada houvesse acontecido. Muitas delas perambulam para lá e para cá sem máscara de segurança — ou com ela arriadas ao queixo bronzeado, com narizes e bocarras de fora.

O indefectível ruído das malas de rodinhas arrastadas pelas vias portuenses de paralelepípedos tornou-se, de novo, onipresente. A taxa de ocupação dos hotéis e dos imóveis de aluguel por temporada voltou a crescer vertiginosamente.

Sei que estávamos todos exaustos dos longos períodos de quarentena. Reconheço que ninguém mais aguentava ficar trancado em casa, pendurados no Zoom, em “lives” intermináveis. Mas imaginei que, agora devidamente vacinados, deveríamos ter tirado algumas mínimas lições desses tempos de pandemia.

É verdade que o turismo constitua, atualmente, uma das principais fontes de renda para Portugal, sendo um dos setores fundamentais da moderna economia do país. É inquestionável, do mesmo modo, que os recursos injetados pelos turistas possibilitaram milhares de empregos e o renascimento de áreas urbanas que, anos atrás, andavam aos pandarecos — caso do próprio centro histórico do Porto.

A questão, portanto, não é espernear contra o turismo. Mas é o caso, convenhamos, de se indagar: afinal de contas, qual turismo? O mesmo turismo de massas, desordenado, que promove a gentrificação das cidades, a especulação imobiliária desenfreada? Ou um turismo sustentável, sensível e atento aos efeitos colaterais sofridos pelas populações residentes?

Como cearense que assistiu ao momento no qual nosso Estado, a partir de meados da década de 1980, começou a se dar conta de tais dilemas, sinto uma incômoda sensação de “déjà-vu”. Lembro, sem nenhuma saudade, dos tempos em que nossa idílica Praia de Iracema transformou-me em território livre para hordas de predadores sexuais estrangeiros.

Não que o fenômeno se repita, tal e qual, por cá. Os turistas que ora entopem a rua das Flores, a praça dos Aliados e a belíssima ponte Dom Luis I — cartões-postais do Porto — não são pedófilos desembarcados de voos charters e demais adeptos do prostiturismo. A maioria, aqui, vem em grupos familiares. São pais, mães e crianças, prosélitos compulsivos das selfies em grupo.

Mas, em meio a essa excitação coletiva, provocada pela conjunção de Airbnb, muito calor, vinho verde e excelente gastronomia, ficou impossível para um morador local residir nas cercanias do centro histórico. Os preços são proibitivos. Impraticável, do mesmo modo, encontrar uma mesa disponível em qualquer bar ou restaurante da Baixa ou da Ribeira — além de cobrar-se ali os olhos da cara por um lombo de bacalhau ao forno.

Assim, meu passatempo predileto neste período de desconfinamento tem sido descobrir pequenos e preciosos achados. Um boteco fora do circuito indicado pelas páginas dos guias de turismo, uma tasquinha escondida do outro lado da cidade, um café longe do furdunço geral. E onde — ora, pois, se calhar — fale-se português e comam-se as autênticas tripas à moda do Porto.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.