Escrever narrativas e dar aulas são minhas maiores fontes de prazer

Só há algo de que eu goste tanto quanto ler, pesquisar e escrever: dar aulas. Fui professor de colégios na juventude e, desde quando o jornalismo me capturou, fui afastando-me do cotidiano do velho ofício.

Durante curto período, ainda atuei como professor universitário, nos cursos de jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Faculdades Nordeste (Fanor). Porém, a vida acabou levando-me para outros rumos.

Mais recentemente, entre 2015 e 2018, tive a oportunidade de me reaproximar das salas de aula. Convidado a ministrar módulos de história e cultura brasileiras nos cursos de verão da Portuguese School, no Middlebury College, em Vermont, Estados Unidos, redescobri o prazer do magistério.

O retorno ao convívio acadêmico incentivou-me a cursar um mestrado tardio, aos 50 anos, em comunicação e semiótica, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Seguiu-se o doutorado em história, agora quase aos 60, na Universidade do Porto, em Portugal.

Foi na PUC que minha brilhante e saudosa orientadora, Jerusa Pires Ferreira, apresentou-me à obra do crítico literário, historiador e linguista suíço Paul Zumthor. Se obras como “A letra e a voz” (Companhia das Letras, 1993) e “Falando da Idade Média” (Perspectiva, 2009) arrebataram-me para o universo teórico de Zumthor, foi um pequeno livrinho dele, “Escritura e nomadismo” (Ateliê, 2005), que me cativou em definitivo para seu modo de pensar e agir.

Trata-se de um conjunto de entrevistas e ensaios, nos quais discorreu sobre suas paixões e obsessões de pesquisador. Entre elas, a memória e a narrativa. Zumthor definia-se como um nômade, alguém movido pelo inconformismo e pelo desejo permanente de experimentar novos itinerários e percursos, jamais fixando-se em situações de certeza e comodidade intelectual.

Recusava-se a calçar pantufas mentais, conforme definia. Identifiquei-me de imediato. “O prazer é o único valor que conta e dá a medida de tudo”, dizia ele. “Este prazer constante me permitiu, não tenho dúvida quanto a isso, nunca me sentir prisioneiro de minha função universitária”. Aos 74 anos, então aposentado há dez, Zumthor afirmava: “Sinto-me em pleno período de criatividade”.

“Minha idade me impede de fazer planos mirabolantes”, admitia. Mas, em vez de resignar-se, lançava-se ao desafio: “Fazer projetos para, por meio deles, me manter em vida; e se possível, realizá-los até o fim, para provar à vida que eu a amo”.

“Gosto de narrar”, reforçava Zumthor. “Somos seres de narrativa, tanto quanto de linguagem”, observava. “Talvez minha busca do saber, durante meio século, tenha sido apenas um modo de satisfazer esta necessidade de me manter diante de você que me escuta, de ser aquele que conta a outros que lhes emprestam o ouvido”, assinalava. “Não foi por acaso, eu me dou conta, que me tornei professor”.

Lembrei das palavras de Zumthor ao ministrar o curso presencial “A arte da biografia: Como escrever histórias de vida”, de 30 horas/aula, na Universidade do Porto. Na semana passada, repeti a experiência, em versão reduzida, de 10horas/aula, para os oitenta inscritos numa versão online. O curso deu origem a um livro homônimo, a sair em breve.

“Sempre fui consciente do fato de que esta maneira de fazer e de sentir [dar aulas, com entusiasmo e prazer] estava ligada ao meu lado contador de histórias e, em grande medida, talvez, ao meu desejo de escrever, exacerbado em desejo de falar”, concluía Zumthor. Escrever narrativas e dar aulas. Duas atividades em tudo correlatas. Minhas maiores fontes de prazer.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.