É hora de bater tambor nos ouvidos do interventor

Se eu estivesse em Fortaleza, ia batucar e sambar em frente à Reitoria da Universidade Federal do Ceará

“Programas de macumba”. Foi com essa expressão, em tom pejorativo, que a diretoria da Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura (FCPC) referiu-se aos programas que abordam o legado da cultura de matriz africana – inclusive o samba – na grade da Rádio FM Universitária, de Fortaleza, emissora ligada à Universidade Federal do Ceará (UFC).

Por trás do preconceito explícito, como não poderia deixar de ser, reside uma inspiração do mais baixo fundamentalismo bolsonarista. A Fundação, mantenedora da rádio, andava incomodada com o caráter de liberdade, autonomia e independência da gestão do então diretor da casa, o jornalista, radialista e professor Nonato Lima.

Há quinze anos no cargo, Nonato mantinha um padrão de excelência na programação da emissora – e comandava o microfone do Rádio Livre, programa diário de notícias, comentários e entrevistas, no início da manhã. Na semana passada, ele foi afastado não só da apresentação do programa, mas também da direção da FM Universitária.

Conheço Nonato desde os meus tempos de estudante de jornalismo na UFC. Sua trajetória é marcada por uma feliz conjunção de cordialidade, senso ético e responsabilidade social. Ao silenciá-lo, censurá-lo, a Fundação Cearense de Pesquisa e Extensão protagoniza mais uma cena deplorável ao já extenso enredo de lamentáveis episódios que têm assolado aquela universidade.

Uma sucessão de casos cuja origem data de 2019, quando o presidente Jair Bolsonaro nomeou como reitor o advogado e criminalista Cândido Albuquerque, sob as bençãos do então ministro Abraham Weintraub. Albuquerque foi o candidato menos votado na lista tríplice enviada ao Ministério da Educação, após consulta à comunidade universitária, obtendo apenas 4,6% dos votos. Por isso, é visto como um interventor.

Recentemente, a leitura das atas do Comitê de Enfrentamento do Coronavírus na UFC revelou que, ante os desafios da pandemia, o dito colegiado de uma instituição que deveria prezar pela ciência e pelo conhecimento incentivou o uso do famigerado “tratamento precoce”, o uso de medicamentos ineficazes como a cloroquina e a ivermectina.

O próprio reitor minimizou os riscos da pandemia e chegou a afirmar que respeitava a decisão de um professor, que havia se recusado a tomar a vacina contra a Covid-19. Questionado a respeito, Albuquerque alegou que o docente negacionista apenas exercia o direito à liberdade individual e que os atuais opositores da Reitoria são todos vinculados à “extrema-esquerda”.

No início deste ano, a UFC concedeu o título de doutor honoris causa a Beto Studart, ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), personalidade cujo maior mérito intelectual de que se tem notícia é um vídeo que postou, meses atrás, na internet.

Nele, o empresário exibe um gigantesco punhal, no qual a efígie de Bolsonaro e a palavra “Mito” estavam gravadas na lâmina. “É pra gente proteger o cidadão brasileiro que precisa disso”, justificou Studart. “Cada um leva sua arma responsavelmente”.

Estivesse em Fortaleza, eu me faria presente ao ato público que se realiza amanhã, quarta-feira, 25 de maio, em defesa da democracia e da comunicação pública – e em solidariedade a Nonato Lima. Professores, alunos e funcionários da UFC se concentrarão às 15 horas, em frente ao prédio da FM Universitária, farão caminhada até a Reitoria e depois participarão de apresentações artísticas no Centro de Humanidades.

Graduado em jornalismo pela UFC, contemplado com a honrosa medalha do Mérito Cultural que me foi concedida pela instituição em 2018, tenho obrigação moral de me posicionar em relação a tais episódios. Como modesta contribuição, sugiro que os manifestantes levem uma boa batucada para bater tambor, bem em frente à Reitoria – e, em especial, diante da porta da Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura (FCPC).

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.