Li, neste Diário do Nordeste, que, depois de sete anos fechada para reformas, a Biblioteca Pública do Ceará está finalmente pronta para ser reinaugurada — o que deve ocorrer tão logo sejam vencidas as incertezas destes tempos de pandemia.
A reabertura daquele templo da leitura trata-se, sem dúvida, de excelente notícia para todos os cearenses. A instituição guarda um tesouro incomensurável, a começar pelo setor de obras raras e pela extraordinária hemeroteca.
Foi ali, folheando páginas de livros escritos no final do século XIX e início do século XX, bem como garimpando informações nos microfilmes de jornais antigos, que me iniciei na profissão de pesquisador da história.
Lembro, por exemplo, da emoção de ler as obras de Rodolfo Teófilo nas edições originais e de mergulhar nas disputas jornalísticas incandescentes travadas por João Brígido contra o oligarca Nogueira Acióli, nas páginas do combativo Unitário, fundado em 1903.
Pelo que dizem as notícias, o equipamento continua a ser oficialmente denominado de Biblioteca Pública Estadual Menezes Pimentel (BPEMP), embora, nesta nova fase pós-remodelação os informes da Secretaria de Cultura, refiram-se a ele simplesmente como Biblioteca Pública Estadual do Ceará — ou pela sigla BECE.
Sempre achei despropositada a homenagem que atribuiu, em 1978, por decreto, em plena ditadura militar, o nome do político Francisco de Menezes Pimentel à biblioteca pública. No currículo do homenageado, constou o fato de ter sido um dos interventores federais nomeados por Getúlio Vargas em outra ditadura, a do Estado Novo, em 1937.
Naquele mesmo fatídico ano, seis meses antes, quando Pimentel ainda exercia o cargo de governador do Estado — eleito pelas regras da Constituição de 1934, que o mesmo Getúlio rasgaria —, deu-se o ataque que resultou no massacre da comunidade do Caldeirão, a experiência coletivista protagonizada pelos seguidores do beato José Lourenço, mortos sob a acusação de professar o “comunismo”.
Estima-se que na ofensiva militar foram assassinadas pelo menos 400 inocentes, enterrados em uma vala comum cuja localização jamais foi informada aos familiares e sobreviventes.
Quando os militares tomaram o poder por meio do golpe militar de 1º de abril de 1964 — a data de 31 de março é uma contrafação histórica, escolhida para disfarçar o ridículo da autointitulada “revolução” ter triunfado no Dia da Mentira —, Pimentel filiou-se ao partido que serviu de sustentáculo ao regime de arbítrio, a famigerada Arena.
Aplaudo, portanto, a supressão do nome de Menezes Pimentel em um equipamento democrático, dedicado à leitura e ao conhecimento, como a Biblioteca Pública. Mas vou além. Sei que alguns queridos amigos no Ceará, em boa hora, propõem dar à BECE a denominação de Biblioteca Pública Estadual Gilmar de Carvalho. Expresso meu entusiasmado apoio à ideia.
O Ceará deve uma homenagem à altura a um dos maiores intelectuais cearenses de todos os tempos, alguém que tão precocemente nos deixou, vítima da Covid-19. Tenho certeza de que o secretário de Cultura, Fabiano Piúba; a diretora do Instituto Dragão do Mar, Rachel Gadelha; a diretora e a gestora da Biblioteca, Enide Vidal e Suzete Nunes, todas elas pessoas da mais elevada competência e sensibilidade, saberão da importância e do significado de dedicar ao nosso inesquecível Gilmar este gesto de reconhecimento, gratidão e afeto. Sem abreviações. Por extenso. Com tudo o que ele merece.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.