"No momento, não temos recurso": a frase do prefeito de Caucaia, Vitor Valim (sem partido), para anunciar que a gestão não vai aplicar o piso salarial da enfermagem, em live na última quarta-feira (31), tem sido a toada de muitos gestores públicos. Mesmo com a liberação de recursos pela União, poucos municípios no Ceará anunciaram o reajuste de enfermeiros, auxiliares, técnicos de enfermagem e parteiras.
Nas últimas semana, as prefeituras de Itarema e Mombaça anunciaram a aplicação do piso. Elas se somam às prefeituras de Tauá, Monsenhor Tabosa, Tianguá, Cruz, Aquiraz e Cedro. Para ser efetivado, o Poder Executivo municipal tem de enviar um projeto de lei para aprovação na Câmara de Vereadores, posteriormente sancionado pelo prefeito ou prefeita da cidade.
Conforme lei nacional sancionada em agosto de 2022, o valor mínimo que deve ser pago de salário aos enfermeiros é de R$ 4.750; aos técnicos de enfermagem, de R$ 3.325; e aos auxiliares e parteiras, de R$ 2.375.
Um lacuna deixada pelos legisladores do Congresso Nacional diz respeito à carga horária à qual se aplica o piso. A definição tem ficado por conta dos gestores municipais. Na maioria dos casos, fica previsto em lei o reajuste para a carga horária de 40h semanais, mas há prefeituras em que os contratos são de 30h, o que tem gerado insegurança nos profissionais.
Em Mombaça, a lei aprovada em maio não estabelece a carga horária para o reajuste da remuneração. O pagamento, inclusive, está atrelado ao repasse de recursos da União. A Prefeitura de Mombaça prevê um acréscimo de despesas em 2023 no montante de R$ 813.711,00. O repasse especificamente para o custeio do piso neste ano deverá atingir R$ 2.214.844,29, com repasses mensais a partir de R$ 246.093,81 para Mombaça.
O envio desses recursos pelo Governo Federal foi autorizado pelo presidente Lula (PT) no dia 12 de maio, totalizando R$ 7,3 bilhões para todo o País, distribuídos conforme parâmetros do Ministério da Saúde. Entre os 184 municípios do Ceará, os repasses variam de R$ 2,9 mil a R$ 10 milhões.
O município de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, receberá parcelas de R$ 349 mil até o total de R$ 3.140.744,85. O valor, segundo o prefeito, no entanto, não é suficiente.
"Infelizmente não tenho esse recurso, como prefeito, para pagar (o piso). Vem 300 mil do Governo Federal. Fora isso, o impacto mensal que teria de ser aportado para cumprir o piso nacional seria de R$ 1.300.000,00 reais. Então, no momento, não temos recurso", disse Vitor Valim, enquanto anunciava vagas de um concurso que abrange a categoria, mas sem o reajuste efetivado.
Na sexta-feira (2), após a live de Valim, a categoria fez um ato em frente à sede da Prefeitura, em protesto pelo anúncio de não pagamento do piso.
“A gestão anunciou que não daria o piso antes mesmo de dialogar com a categoria. O piso é uma conquista que reconhece e valoriza a categoria que mais trabalhou para salvar vidas durante a pandemia. Estaremos ao lado dessas trabalhadoras e trabalhadores para fazer valer esse direito", disse em nota a vereadora de Caucaia Enedina Soares (PT), que esteve na manifestação.
O cenário não é diferente da liderança estadual. No último dia 18 de maio, o governador Elmano de Freitas (PT), ao lado da ministra da Saúde, Nísia Trindade, disse que enviaria o projeto de aplicação do piso ao Legislativo "nos próximos dias", o que não aconteceu após duas semanas.
“Há uma preocupação dos governadores que, a princípio, o valor repassado pelo Governo Federal não é suficiente para cobrir todas as despesas do piso da enfermagem dos nossos estados”, disse Elmano, dias após a promessa, em um encontro em Brasília, com outros governadores, para tratar do piso.
Data de pagamento
Com a assinatura da portaria que liberou os recursos, houve a expectativa de que o dinheiro fosse enviado às prefeituras e governos estaduais ainda em maio, o que não aconteceu.
O deputado federal do Ceará Mauro Filho (PDT), que tem atuado para destravar os recursos junto ao Governo Federal, disse, na quarta-feira (31), que o dinheiro deverá ser aplicado para as folhas de pagamento de julho.
"A União vai colocar o piso na folha de junho, que paga no dia 1º de julho. Vai ser inserido o mês de junho. Segundo a interpretação do Ministério da Saúde, maio deve ser pago só a partir de 16 de maio, data da decisão judicial", pontuou o deputado em vídeo nas redes sociais. A previsão, portanto, é de que o pagamento passe a ser considerado a partir da liberação do piso no Supremo Tribunal Federal.
Impasse no Judiciário
A morosidade na efetivação do piso da enfermagem está ligada principalmente à suspensão da aplicação do piso em liminar do ministro Luís Roberto Barroso, em setembro do ano passado.
A aprovação de medidas complementares no Congresso Nacional, como a definição de recursos de suporte a estados e municípios, fez com que o ministro autorizasse o cumprimento do piso. A análise dos demais ministros sobre o posicionamento de Barroso, no entanto, segue no plenário virtual do STF, com novos desdobramentos.
Em nova posição, Barroso determinou o cumprimento imediato do piso no setor público, mas manteve a possibilidade de negociação entre empregadores e sindicatos para efetivação do piso no setor privado até 1º de julho. Ele também defendeu que o piso só deverá ser pago pelos entes públicos até o limite orçamentário recebido pela União.
O impasse se agravou com o voto do ministro Edson Fachin, que determinou a derrubada completa da suspensão do piso, com aplicação original da legislação. A divergência fez com que o ministro Gilmar Mendes pedisse vistas e suspendesse novamente a votação.
Nesse cenário, está vigente a decisão de Barroso pela liberação com ressalvas até o fim do julgamento, o que pode levar meses.
Instabilidades entorno do piso
Na terça-feira (30), a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) reuniu cerca de mil prefeitos em Brasília para discutir a aplicação do piso da enfermagem. A CNM tenta aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 25/2022, que deve ampliar em 1,5% o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) no mês de março. A medida, segundo a entidade, solucionaria o impacto de R$ 10,5 bilhões previstos, apenas aos Municípios, com o pagamento do piso.
A situação da tramitação no STF também tem sido usada pela CNM para pedir cautela aos gestores na aplicação. “O ministro Gilmar Mendes pediu vistas e foi um ponto positivo para nós, mas precisamos agir na busca desse recurso para pagar o piso”, afirmou o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, no evento em Brasília.
O que se tem até agora
O pagamento, vale reforçar, não está suspenso, e o Governo Federal tem previsto o repasse de verbas no próximo dia 10 de junho, segundo Mauro Filho.
Em relação aos estados e municípios que têm apontado valores equivocados no repasse, a recomendação é enviarem recursos ao Ministério da Saúde para avaliação e eventual correção dos valores.
Como se trata de uma lei, gestores públicos podem responder por improbidade administrativa pelo descumprimento, mas a queda de braço deve se estender com as instabilidades judiciais e legislativas.