Rua Floriano Peixoto, manhã de uma segunda-feira em Fortaleza. O movimento na rua em si parece comum para um dia de funcionamento do Centro da Cidade, mas basta olhar para dentro de uma das muitas lojas de preço único no logradouro para ver um fluxo intenso de pessoas, seja olhando os produtos ou aguardando na fila do caixa para pagar pelos itens.
Há pelo menos uma dezena delas anunciando “tudo a R$ 5”, “tudo a R$ 10” ou a R$ 20. Algumas se concentram em vestuário, outras em utensílios para casa como vasilhas, copos e etc. A maioria dos produtos é importada de países como China e Indonésia.
Uma delas, a Mundo das Utilidades, vende tudo a R$ 5 e chegou à Floriano Peixoto em 2016, quando as lojas de preço único ainda comercializavam os itens a R$ 1,99 e não era tão expressivo o número de comércios com esse tipo de atuação. O negócio vende “de tudo que é barato”, brinca Eberson Davis, gerente do negócio. “Sendo barato, de tudo sai porque a gente traz esterco de boi e vende! É sério, no momento acabou, mas vende (risos)”.
Ele explica que parte (significativa) desse sucesso se deve à explosão dos conteúdos sobre as lojas de preço único nas redes sociais, especialmente Instagram e TikTok.
“As redes sociais têm ajudado muito. Tem muito influenciador que faz divulgação. Nossa loja tem 23 mil seguidores, mas a página do lojão (outra loja que ele gerencia também no Centro) começou com 12 mil e hoje está com 234 mil seguidores”, afirma Davis.
De acordo com ele, a evolução nos números é graças à esposa, que trabalha na divulgação do negócio junto a uma influenciadora fortalezense do nicho.
Movimento dobra no fim de semana
Os números no mundo virtual se transformam cada vez mais em clientes nos espaços físicos. “Dia de fim de semana é o dobro do movimento de hoje (segunda-feira). Se você tivesse vindo sexta e sábado, provavelmente eu não estaria conseguindo falar com você”, disse Davis.
Responsável pela “É de Graça”, onde tudo é vendido a R$ 10, Jamile Duarte está no local há dois anos. A loja começou vendendo tudo a R$ 20, mas depois de uma ação promocional, acharam que era mais vantajoso trabalhar com o preço menor, revela Jamile. “Com R$ 10 o movimento é melhor”, diz. O negócio vende roupa masculina, feminina e cama, mesa e banho.
“Fizemos um saldão de R$ 10 e vimos que deu muito certo. A gente consegue com um fornecedor muito barato e garante o movimento intenso de segunda a sábado”, detalha, acrescentando que, quando o fim de semana se aproxima, a demanda é muito maior.
Assim como Davis, ela destaca que a mudança no fluxo de clientes foi considerável depois que o conteúdo de lojas de preços mais baixos começou a se popularizar nas redes sociais. “Dia de sábado é o dobro do movimento, fica bem cheio”, diz, pontuando que a demanda é bem variada.
O sucesso desse tipo de negócio no Centro da Cidade chegou a provocar tumulto na inauguração de uma loja que vende tudo a R$ 20, conforme noticiou o colunista Victor Ximenes no início de abril. Na ocasião, consumidores chegaram a madrugar no local, que fica na Rua General Sampaio, para garantir as compras.
Mudança de perfil no Centro
Além da General Sampaio e da Floriano Peixoto, as lojas de preço único também parecem estar ganhando outras partes de Fortaleza, como Messejana e outros bairros que possuem centros comerciais mais desenvolvidos. Os negócios fora do Centro de Fortaleza também fazem sucesso nas redes sociais por meio de parcerias com influenciadores do nicho.
Em janeiro deste ano, o consultor de empresas Christian Avesque já havia comentado sobre a mudança de perfil do Centro de Fortaleza, que vem deixando de ser lugar de grandes varejistas para abrigar lojas mais populares, com destaque para itens importados.
Se por um lado há quem prefira a praticidade de comprar em marketplaces esses mesmos produtos importados e receber em casa - a maioria das lojas de preço único não faz entrega -, por outro existe o consumidor que gosta de comprar no varejo físico e não quer esperar alguns dias até que o item chegue, o que ajuda a explicar o cenário.
Modelo veio para ficar ou pode sumir?
Na década de 1990, a estabilização da moeda nacional com o Plano Real facilitou o surgimento de lojas de R$ 1,99. Inúmeros desses empreendimentos se espalharam pelas ruas das cidades brasileiras, mas não 'sobreviveram' diante de variáveis macroeconômicas, como a inflação e a alta do dólar.
Quem viveu essa época identifica as semelhanças entre os estabelecimentos de R$ 1,99 e os comércios atuais de preço único. Mas será que as lojas de hoje vão permanecer?
Para o especialista em varejo e sócio-diretor da Gouvêa Consulting, Jean Paul Rebetez, esse modelo de negócio atende à demanda de um público de menor poder aquisitivo, função também desempenhada, atualmente, pelas gigantes asiáticas, como Aliexpress, Shein e Shopee.
“Essas plataformas conseguem atender esse mercado da Classe C bastante eficientemente e também é uma resposta de que esse perfil de consumidor tem muita vazão”, observa. Para ele, no entanto, o questionamento a ser levantado é se essas lojas conseguirão ter giro para se sustentarem e proporcionar lucro para quem investiu.
O desafio, aponta, é garantir recursos suficientes para arcar com os custos do varejo: funcionários, ocupação, impostos e estoques.
“Se esse segmento de preços 'ultra democráticos' conseguir chamar a atenção dos consumidores e manter um sentimento que seja bastante relevante para eles, gerando muito giro, elas conseguem sobreviver, escalonar e se multiplicar, assim como vemos no paralelo das digitais”, avalia.
Corrigido pela inflação, o valor de R$ 1,99 (em 1994) atualiza para cerca de R$ 48 em abril deste ano.
Colaborou a repórter Bruna Damasceno.