As despesas sazonais e o hábito de fazer supermercado usando o cartão de crédito contribuíram para que o consumidor de Fortaleza chegasse ao mês de março com o maior comprometimento da renda em 26 anos e menos confiante em relação à própria situação financeira atual.
De acordo com pesquisa divulgada pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Ceará (Fecomércio-CE) na última quarta-feira (20), as famílias de Fortaleza estão com quase metade (47,7%) da renda comprometida com dívidas. É o maior comprometimento de renda observado pela pesquisa desde 1998, quando foi criada a Pesquisa de Endividamento do Consumidor.
A diretora institucional da entidade, Cláudia Brilhante, pontua que é habitual o comprometimento da renda subir após os dois primeiros meses do ano, mas reitera que se trata de um patamar muito elevado.
“A alta no comprometimento da renda nesse período é natural. Em dezembro, o consumidor estoura o cartão. Depois vem janeiro com material escolar, matrícula e impostos como IPVA, IPTU e Taxa do Lixo”, explica Cláudia Brilhante. “Mas, de fato, o comprometimento da renda está muito alto. O ideal seria que o indicador estivesse em 34%, no máximo 36%”, pondera.
“Isso representa uma preocupação, acende a luz amarela. Por isso, continuamos orientando o consumidor para ter cuidado com as compras no cartão de crédito”, diz a diretora institucional da Fecomércio-CE.
Alimentação
Se outrora a preocupação quanto ao cartão de crédito eram as compras consideradas supérfluas, hoje cada vez mais o problema é a compra de alimentos com a ferramenta. A alimentação corresponde a quase 70% dos bens comprados a prazo, de acordo com a pesquisa.
E de acordo com Cláudia, não se trata de extrapolar no delivery, onde o aplicativo facilita a compra no cartão de crédito. O consumidor está fazendo a feira do mês com o cartão de crédito e, antes que o mês acabe (e a fatura seja paga), ele precisa ir novamente ao supermercado fazer uma nova feira. “Vira uma bola de neve. O que orientamos é que o consumidor opte por ir mais vezes na semana ao supermercado, mas priorizando o pagamento à vista”, reforça Cláudia.
Confiança
Assim como é habitual o comprometimento da renda crescer nesse período do ano, também não é incomum que o consumidor, em meio às dívidas sazonais, fique com a confiança em baixa. A Fecomércio-CE também constatou que o fortalezense está menos confiante em março, com somente 36,6% deles planejando ir às compras de bens neste mês. É o menor percentual desde fevereiro de 2022.
“É um período de confiança baixa porque o consumidor sai de uma situação financeira apertada, com impostos puxando esse sentimento para baixo”, reforça Cláudia, acrescentando que o Índice de Confiança do Consumidor (ICC) é composto pelo sentimento dos entrevistados em relação à situação financeira atual e à situação futura.
No dia em que foi feita a pesquisa, observamos quase 10% de queda no Índice de Situação Presente porque mês de março o consumidor está realmente sem dinheiro, então se trata de uma expectativa esperada. Não é o ideal, mas é esperado"
Ela pondera que o consumidor está, porém, acreditando em dias melhores. “Ele avalia que a situação financeira vai melhorar e que a economia do País está em recuperação, então ele acredita que nos próximos 12 meses a situação vai estar melhor”.
Comprometimento da renda ligado ao consumo
O economista Ricardo Coimbra visualiza alguns cenários a partir dos dados. Um deles é que o patamar recorde do comprometimento da renda pode estar relacionado ao descompasso entre inflação e crescimento médio da renda. “O nível de renda do trabalhador de Fortaleza pode estar em um ritmo mais lento do que a evolução dos preços dos produtos”.
“Parte significativa disso pode estar relacionada aos juros das operações de crédito, que mesmo com a redução da taxa Selic estão em patamar significativo e isso, de certa forma, pode contribuir para o comprometimento da renda”, avalia Coimbra.
O outro olhar do especialista para o cenário está relacionado ao consumo. Para ele, o aumento do comprometimento da renda pode estar ligado à contratação de financiamentos para aquisição de bens como veículos, imóveis e outros. “Isso também pode contribuir para o avanço do crescimento do comprometimento da renda”.