Há quem se lembre do tempo em que entrávamos nas Americanas e nos deparávamos com prateleiras vistosas repletas de CDs. Elas ocupavam espaços estratégicos das lojas, dizendo muito sobre onde estávamos situados na história do varejo e da economia.
A lembrança, que leva a mim e provavelmente muitos leitores de volta ao início do novo milênio, parece ora próxima (sim, parece que foi ontem!), ora distante se levarmos em conta a quantidade de transformações que vivemos ao longo das últimas duas décadas.
Uma das mais tradicionais varejistas do País, as Lojas Americanas, que estão desde o ano passado no centro de um escândalo financeiro após revelado um rombo de R$ 42,5 bilhões no caixa da companhia, estão prestes a passar por um novo ciclo de mudanças com o objetivo de reestruturar o grupo e seguir firme no plano de Recuperação Judicial - homologado na última segunda-feira (26) pela 4ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro (RJ).
O plano, inclusive, ganha força após a publicação dos resultados do terceiro trimestre da companhia, que mostram um prejuízo de R$ 4,6 bilhões nos primeiros nove meses de 2023, uma perda mais suave do que se esperava após o escândalo.
Essas mudanças, conforme disse à Folha de S.Paulo na última semana o presidente da companhia, Leonardo Coelho, incluem o fechamento de mais 80 lojas em todo o Brasil.
A coluna procurou a companhia para saber quantas dessas unidades previstas estão localizadas no Ceará, mas as Americanas disseram apenas que o fechamento de lojas “faz parte do curso normal do varejo somado ao plano de transformação da companhia, que prevê ajustes imediatos e de curto e médio prazos com foco na rentabilidade e otimização do negócio”.
"A reavaliação de mix de produtos, gestão, espaço e lucro das unidades, entre outros fatores, é uma dinâmica comum a todo o varejo e pode levar à readequação ou, em último caso, ao fechamento de loja. A Americanas ressalta que conta com mais de 1.700 lojas em todo o país e que os clientes do Ceará podem adquirir produtos e serviços em mais de 80 lojas do estado, além do site e app da marca", informou a empresa.
Mudanças de estratégia
Além da previsão de fechamento das 80 lojas no Brasil (de janeiro de 2023 até agora já foram fechadas 132 unidades), as Americanas também passarão a dar mais atenção a alguns segmentos específicos, segundo o presidente da companhia: os chocolates, carro-chefe da varejista, devem ganhar ainda mais força, ao passo que itens de tecnologia e eletrodomésticos devem perder espaço nas lojas físicas. Itens de higiene e cuidados pessoais também terão mais destaque.
Outros produtos que as Americanas não costumavam vender também devem ser notados pelos consumidores em breve. Ainda na entrevista, Leonardo Coelho pontuou que a companhia incluiu nas lojas físicas a venda de lâmpadas, rendendo bons resultados.
O foco, mais do que nunca, é no público das classes B e C acima dos 18 anos, e as promoções na frente de loja devem ser mais agressivas. “A Americanas que teremos nos próximos dois anos será bem menor do que aquela que existia antes”, disse Leonardo Coelho.
Efeitos dos marketplaces
A estratégia tem fortes elementos para dar certo, na avaliação do consultor de empresas e professor da Faculdade CDL, Christian Avesque.
“É um efeito dos marketplaces asiáticos, que vendem gadgets, produtos de utilidade, abastecimento da casa. São itens com um tíquete médio pequeno, mas um giro altíssimo e um custo de aquisição e de estoque também muito baixos”.
“Nesse sentido, as Americanas se livram de um grande problema, que era ter produtos não muito rentáveis, categorias com custo de aquisição muito altos como eletroeletrônicos, eletrodomésticos, produtos que giravam pouco nas lojas, até porque no pós-pandemia o consumidor começou a comprar muitos desses produtos no ambiente digital e out of border”, detalha Avesque.
Fôlego após resultado
O consultor e professor reforça que as Americanas ganham fôlego após o resultado do balaço para seguir com a Recuperação Judicial. “Contribuiu para que eles pudessem entrar na Recuperação Judicial de forma consistente. Esses itens de baixo valor, voltados para as classes B e C, são mais fáceis de negociar, por exemplo, com as indústrias alimentícias”, afirma.
“Como as Americanas têm essa capilaridade, podem se tornar um ponto de venda de proximidade de produtos de utilidade e manutenção para casa. São mercadorias que rendem o fluxo de caixa, mas nada disso é garantia, tá? As Americanas estão experimentando outros modelos, mas acredito ser uma saída interessante”, finaliza Avesque.
Por enquanto, as lojas não parecem ter adotado as novas diretrizes. Em algumas unidades onde a coluna esteve na última semana, apesar de umas prateleiras vazias, eletrodomésticos e itens como smartphones ainda tinham certo espaço de destaque (em lojas de bairros considerados nobres, esse espaço é maior. Em lojas de bairros periféricos, bem menores).
Agora, é aguardar e acompanhar mais uma grande transformação na varejista. Dessa vez, não simplesmente ditada pelo "curso normal do varejo" - como ocorreu há alguns anos com a óbvia saída dos CDs e com a redução drástica dos livros nas lojas físicas -, mas por uma necessidade urgente de reverter a crise financeira interna.