Em praticamente todos os jornais do Brasil, após divulgação em primeira mão de Diário do Nordeste, noticiou-se o caso da delegada de polícia que foi barrada na loja Zara, em Fortaleza. A loja alegou que houve recusa da delegada em usar máscara, quando tudo já levava a crer que seria mais um episódio de racismo. Não demorou e os comentaristas de internet passaram a julgar a vítima como se fosse a verdadeira acusada, como já comentado por esta coluna.
Ocorre que imagens do circuito interno da empresa finalmente demonstraram, livre de qualquer dúvida, que outros clientes não faziam uso de máscara e que exatamente o mesmo gerente havia atendido uma cliente sem o acessório, poucos minutos antes da delegada ser vítima do crime.
Não fosse isso o bastante, atuais e ex-funcionários da Zara relataram, durante depoimento à polícia, que o código "Zara zerou" era usado no alto-falante da loja quando entrava um cliente fora do padrão desejado. Uma outra pessoa testemunhou que foi barrada por supostamente não usar máscaras, mas viu outras pessoas brancas entrarem na loja sem serem importunadas.
Confesso que, depois de enojado, fiquei curioso.
Para minha tristeza (mas nenhuma surpresa), vi que as milhares de pessoas que, em todo Brasil, através de comentários de internet, acusaram a delegada de “chorona”, “lacradora” ou “mimizenta” mantiveram seus comentários e sequer consideraram pedir desculpas.
Alguns, amigos meus.
Alguns, pessoas pretas.
Alguns, capitalizando apoio político e votos para a eleição que se avizinha.
Como não foi a primeira vez, e provavelmente não será a última, fica a pergunta: por qual motivo não há remorso nessas pessoas?
A personalidade autoritária sem remorso
Publicado em 1950, a clássica obra "Estudos sobre a Personalidade Autoritária", de Theodor Adorno, foi realizada a partir de análises nos Estados Unidos e desejava identificar, conforme parâmetros da Psicologia Social, indivíduos com inclinações autoritárias. Para os mais eruditos, informo que há versões em PDF gratuitas do escrito que já estão em domínio público.
A ausência de remorso foi algo notado no estudo referido acima, que dá pistas de como se apresenta no cidadão médio. A confiança total em determinado espírito coletivo criaria um tipo social que trata o outro, coletivamente, como massa amorfa ou, individualmente, como um mero objeto sobre o qual se impor.
Sabemos que isso inibe o esclarecimento e a emancipação do próprio agressor, sendo visto como risco para repetição das barbáries fascistas. Para aprofundamento, recomendo leitura de Márcio Rodrigues Alves, em sua Teoria crítica e Escola de Frankfurt (Rio de Janeiro: Universidade Estácio de Sá, 2015, p. 27).
A pesquisa de Adorno, além da inexistência de remorso, identificou nos indivíduos autoritários características outras como aceitação acrítica de valores, submissão completa e acrítica a um líder, tendência à punição do diferente, anti-intracepção (negação e reação ao subjetivo e à abstração), superstição quanto ao próprio destino, identificação total com determinadas formas poder, hostilidade em geral, projeção de desejos no outro e exacerbação nos temas sexuais.
Agressor pode ser demitido pela Zara
O gerente agressor, identificado como Bruno Felipe, pode ser demitido, mas há que se fazer algumas observações, à luz da legislação trabalhista brasileira.
Para que seja demitido por justa causa – ou seja, com direito a apenas saldo de salário e férias vencidas -, é necessário que ele seja condenado criminalmente, sem possibilidade de recurso, conforme art. 482, d, da Consolidação das Leis do Trabalho, o que está longe de acontecer.
Outra possibilidade é a empresa entender que houve ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra a delegada (art. 482, j) ou ato de indisciplina (art. 482, h).
Se for desejo da empresa demiti-lo sem justa causa, poderá fazê-lo desde que pague todos os direitos trabalhistas de praxe.