O Brasil ficou de luto e impressionado com a recente notícia e vídeo que mostram o imigrante do Congo Moïse Kabagambe com mãos, pés e pescoço amarrados e recebendo pelo menos 30 golpes de taco de madeira, apenas pelo fato de ter ido cobrar remuneração devida pelo seu trabalho.
Três homens foram presos, e um deles - responsável por derrubar e imobilizar o congolês - afirmou à Polícia Civil estar com a "consciência tranquila".
Ademais da importância dos aspectos sociais e culturais do trágico incidente, importa, no primeiro momento, identificar aspectos criminais e trabalhistas.
Racismo e Xenofobia
São previstos no mesmo art. 20 da Lei 7.716/89 o crime de racismo e o de xenofobia, segundo o qual praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor ou procedência nacional rende aos agressores a pena de reclusão de um a três anos e multa.
Como já dito em outras oportunidades, quase nunca um agressor racista vai confessar ou deixar claro que agrediu em razão da cor da pele da vítima, ou que seu comportamento foi encorajado pela procedência do agredido. Assim, ficará ao critério do magistrado que conhecer do caso definir se o fato de a vítima ser negra e/ou imigrante estimulou ou encorajou a sessão de tortura e assassinato.
Assassinato, Tortura Seguida de Morte ou Lesão Corporal Seguida de Morte?
O art. 121 do Código Penal certamente terá sua aplicação discutida, eis que define que “matar alguém” rende ao culpado a pena de reclusão de seis a vinte anos. Há forte lobby para proteção do assassinos e do nome do proprietário da barraca onde trabalhava o Moïse.
Ocorre que a Lei 9.455/97 (art. 1º, § 3º) disciplina que, quando há tortura seguida de morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.
Assim, se o juízo avaliar que a intenção era praticar o crime de homicídio, o agente será punido de acordo com o Código Penal; se entender que a vontade foi de torturar, o crime de tortura seguida de morte.
O art. 129, em seu parágrafo terceiro, prevê a possibilidade de pena mais branda que vislumbro: no caso de lesão corporal seguida de morte – quando o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo, nem quis torturar – a pena é de reclusão, de quatro a doze anos.
Crime Contra a Organização do Trabalho
Há também no Código Penal, no art. 203, a previsão de crime contra a organização do trabalho: a chamada “Frustração de direito assegurado por lei trabalhista”, que pune com detenção de um a dois anos, e multa (além da pena correspondente à violência), aquele que frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho.
Vínculo de Emprego e Indenização
Notícias dão conta de que Moïse era “comissionado” – ou seja, no jargão informal utilizado naquela praia, era um trabalhador por conta própria que recebia comissão e/ou diária da barraca pela venda de bebidas na faixa de areia ou, até mesmo, na calçada.
Possivelmente Moïse era um real empregado, sem carteira assinada, uma vez que estariam presentes todos os requisitos da relação de emprego, mencionados nos arts. 2.º e 3.º da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT (subordinação jurídica, onerosidade, pessoalidade, alteridade, não-eventualidade).
A circunstância de receber apenas à base de diária, ou à base de comissões, ou ambos, não afastaria a condição de empregado, uma vez que ambas as modalidades de pagamento e remuneração são previstas na CLT, que prevê o pagamento diário, quinzenal ou mensal (art. 459) e a figura do comissionista puro tem artigo de lei (art. 457, § 1.º) e precedente do Tribunal Superior do Trabalho (Súmula 340).
A família do falecido poderá acionar a Justiça do Trabalho no afã de buscar seus direitos trabalhistas, inclusive indenização por dano moral e material, que deverá levar em conta a expectativa de vida do trabalhador.
Vale salientar a igualdade de direitos entre brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil (art. 5.º, caput e inciso I, Constituição Federal de 1988).
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.