Um quintal, uma música, comidas, cheiros. Esses são alguns elementos capazes de reativar nossa memória afetiva, quando nos leva para um determinado momento passado da vida. Viver essas lembranças é despertar sentimentos que aquecem nosso coração. É sorrir sem nem perceber. É chorar de emoção ou saudade. É sentir um aroma ou sabor do que não se pode ver, mas que foi experimentado na infância ou em outra fase da vida.
Nossas memórias contam a nossa história. Por isso, é tão importante criarmos momentos marcantes desde a infância. Isso pode ser feito com o fortalecimento da presença na vida dos nossos filhos, com apoio, compartilhamentos de experiências, amor, afeto, tudo que os inspire. É essencial que as crianças vivam experiências que criem essas lembranças. Acessar as nossas memórias afetivas, de forma proposital ou não, nos permite sentir as emoções que sentimos na primeira vez que as vivemos.
Mesmo que sejam recordações de tempos mais distantes, elas sempre vão falar muito sobre quem nós somos e nossas referências.
A última experiência forte que tive de acessar as minhas memórias afetivas aconteceu há uma semana. Já estava no fim de um isolamento de 10 dias depois após testar positivo para a Covid. Ficar muito tempo sozinha em casa me impulsionou a voltar para alguns momentos vividos como forma de deixar o dia menos cansativo e pesado; deixou-o até feliz e prazeroso.
Essas memórias sempre me levam para locais lindos, tranquilos, felizes e também cheios de sabores. É uma ótima maneira de não me sentir sozinha. As primeiras lembranças sempre vêm da infância. Brinquei e me diverti demais. Os melhores momentos sempre eram nas férias escolares. Ía para Barroquinha, interior onde minha família mora, e ficava lá praticamente até a véspera do retorno às aulas, quando voltava para Fortaleza.
Na minha programação diária, estavam os quintais dos meus avós. Subia em várias árvores, comia as frutas direto do pé, sem lavar. As mais gostosas que já comi na vida.
Sempre gostei só de frutas verdes. Bastou fechar os olhos que consegui sentir o sabor azedo das seriguelas, cajaranas, goiabas, pitombas. Eram as favoritas. Comia elas sempre lá no alto, sentindo aquele vento "quente" de interior, mas que é bom demais. Além de saborear as frutas, também tinha muita conversa entre amigos e primos que sempre estavam juntos nesses momentos. Que saudade sinto dos quintais.
Salina Marisco
Outro lugar que sempre me traz paz é a salina do meu avô Pedro, que hoje já não está mais entre nós. Toda semana, seus sobrinhos e eu o acompanhávamos na jornada com os trabalhadores que cuidavam da produção e retirada de sal para venda. O terreno é imenso, arrodeado de mangue, com aquele cheiro característico da vegetação, muito verde e ventilado.
Lá, nós, quando crianças, andávamos na sombra do meu avó, que fazia sempre um grande percurso entre os reservatórios de sal. Depois, íamos até o mangue para procurar caranguejos. Na volta subíamos nas grandes pilhas de sal. Eu também gostava de sentar e olhar até a distância que os olhos podiam enxergar. Que saudade!
Fazíamos corrida com carrinho de mão e às vezes, nos fins de semana, dormíamos por lá. Os banhos eram com balde mesmo. Na época, de noite, ainda usávamos lamparina. O cheiro do querosene era forte, mas nós achávamos o máximo a iluminação ser daquela forma. Brincávamos de contar histórias de terror e demorávamos a dormir por causa disso. Lá também tinha os melhores caranguejos, aqueles feitos só na água com sal e ainda com a lama do mangue. Bom demais.
Memórias guardadas
Cresci assim: criando memórias afetivas lindas e que torço que se preservem durante muito anos da minha vida. Quero ficar velhinha lembrando desses momentos. É algo que carrego até hoje. Isso porque acredito que essas memórias ultrapassam épocas. Elas começam na infância, passam pela adolescência e seguem ainda na vida adulta. E dessas duas últimas fases tem também um lugar muito especial, que me enche de energia, me renova e acalma a alma.
É tão de sentir, que é difícil explicar em palavras. Elas estão guardadas na cidade de Camocim, vizinha a Barroquinha, num lugar que não posso deixar de passar sempre que vou por lá. É parada obrigatória, seja sozinha ou acompanhada. Na verdade, da beira-mar, do calçadão, em frente ao rio Coreaú, recebo só coisas boas. Sentar e sentir é tudo!
Minhas memórias também me alimentam de forma diferente. Elas me trazem os melhores doces. O suspiro que minha mãe sempre trazia quando voltava do trabalho, a canjica, essa feita por ela mesma, e que até hoje é presente. Quentinha, com muita canela, é quase sempre preparada perto de eu chegar na casa dela. Isso garante que eu a coma quente, minha forma preferida.
Tem também a banana frita que conheci na casa de uma tia-avó, a tia Matônia, quando ainda era bem criança. Era sempre a surpresa que estava guardada na geladeira. Sim, quando conheci comia gelada. Depois, quando aprendi a fazer passei a comer quente. Mas ainda hoje, algumas vezes quando faço, volto a colocar na geladeira para sentir aquele sabor de quando comi pela primeira vez.
São tantas lembranças, passeios, recordações, que podem ser feitos dentro de casa. Assim a leveza, a felicidade e a saudade gostosa de sentir, prevalecem nos dias difíceis. É para esses lugares que as minhas memórias afetivas me levam. E as suas, para onde te levam?