Projeto S. Francisco: ainda haverá mais problemas

Além da quebra das bombas da Estação Elevatória de Salgueiro, que paralisou de novo a transferência das águas para o Ceará, há e haverá outros de ordem estrutural a serem enfrentados. Mas o dinheiro é pouco para tanta necessidade

Projetado e ainda em execução com o objetivo de oferecer segurança hídrica a 12 milhões de habitantes do semiárido da região, o Projeto de Integração do São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional é uma sinfonia inacabada, mas tendo tudo para tornar-se uma obra prima, transformando em herói o seu autor. 

Suas obras iniciaram-se em 2007, no segundo governo Lula, depois de enfrentar, durante dois anos, intensa campanha de oposição da qual participaram demagogos da política e da igreja católica, hoje rendidos às evidências da necessidade do equipamento. 

Todavia, como soe acontecer com as obras públicas brasileiras, principalmente com as que consomem montanhas de dinheiro, o Projeto S. Francisco segue enfrentando percalços, e necessitando ainda de uma montanha de dinheiro do tamanho de R$ 5 bilhões.

Este colunista fala de cátedra sobre o assunto, pois acompanhou de perto, em Brasília, todas as providências legais e técnicas que terminaram na elaboração do projeto de engenharia, que, por sua vez, foi sendo adequado às etapas do empreendimento. 

Um engenheiro especialista em energia e que conhece em detalhes o Projeto São Francisco colaborou na elaboração deste texto.

Para começar, houve a polêmica em torno do nome original: Transposição do Rio S. Francisco. Baianos, sergipanos e alagoanos ergueram-se contra o projeto, alegando que ele colocaria em risco a vida e a economia da população das cidades à jusante da barragem de Sobradinho. Pura balela: a água do rio que hoje chega à sua foz tem vazão maior do que a de 2007.

Os canais Leste, em direção a Pernambuco e Paraíba) e Norte (para o Ceará, a Paraíba e o Rio Grande do Norte) foram concluídos. Trabalha-se, agora, no penúltimo trecho do projeto – o Ramal do Apodi, que levará as águas do S. Francisco até a barragem de Açu, no Rio Grande do Norte, bem no meio do caminho entre Natal e Mossoró. 

O último trecho do projeto – já licitado, mas não iniciado – será o do Ramal do Salgado, que encurtará em 150 Km a viagem das águas do Velho Chico até o açude Castanhão, aproveitando o leito do rio Salgado.

Neste momento, o projeto enfrenta problema recorrente: duas bombas da Estação Elevatória de Salgueiro, que jogam água do S. Francisco para o Ceará e a Paraíba, quebraram. Uma está sendo reparada e ficará pronta dentro de mais 20 dias. O reparo da outra, quebrada no início de 2023, demorará mais tempo – dois anos, segundo os especialistas, a um custo muito alto. 

Esses especialistas informam que uma bomba desse tipo custa hoje, novinha, algo em torno de R$ 500 milhões. É dinheiro que o orçamento do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR) não tem.

Os mesmos especialistas ouvidos por esta coluna acrescentam: o Projeto S. Francisco, em pouco tempo, sofrerá outros problemas estruturais com um agravante: o governo dos quatro estados beneficiários – Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco – “não dispõem de dinheiro, em primeiro lugar; em segundo lugar, já estão devendo, e muito, ao governo federal, que vem custeando, sozinho, a conta da energia que movimenta as estações elevatórias dos canais Leste e Norte”.

A iniciativa privada já tentou associar-se ao governo da União por meio de Parceria Público Privada. Em troca da gestão e da manutenção do projeto, essa PPP ganharia o direito de explorar economicamente a área útil das duas margens dos canais Leste e Oeste, implantando nelas projetos de geração de energia solar fotovoltaica, que forneceria energia elétrica suficiente para a movimentação das estações elevatórias. Essa proposta, porém, foi esquecida nos escaninhos do MIDR.

Resumo da ópera: o Projeto S. Francisco está aí, funcionando à perfeição no Canal Leste, mas cheio de problemas estruturais no Canal Norte, preocupando os que produzem e trabalham nos estados que deveriam estar recebendo, sem problemas, as suas águas – o Ceará, o Oeste da Paraíba e o Oeste do Rio Grande do Norte. 

A boa esperança é a movimentação de empresários da agropecuária do Ceará que pretendem deslocar-se até Brasília para mobilizar senadores cearenses, potiguares, paraibanos e pernambucanos, no sentido de pressionar o titular do MIDR, Waldez Góes, a acelerar o início das obras de construção do Ramal do Salgado e a abreviar o conserto das duas bombas avariadas da Estação Elevatória de Salgueiro.