Equipe econômica de Lula começa a bater cabeça

Há divergências separando o presidente do BNDES, Aloízio Mercadante, do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A vaidade da equipe econômica faz o mercado entrar em alerta.

Surgiram sinais da primeira desavença no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloízio Mercadante, estaria abrindo divergência com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. 

O que circulou ontem foi a informação de que Mercadante estaria já trabalhando para ser uma opção para o lugar de Haddad no caso de a economia brasileira não apresentar crescimento durante este ano, o que prejudicaria a popularidade do presidente da República. Ontem, esse fato – que logo chegou ao conhecimento do Palácio do Planalto – repercutiu na Bolsa de Valores B3, contribuindo para a queda do pregão. 

Bem, essa divergência chegou mais cedo do que se esperava. Fernando Haddad, que tem o apoio de setores históricos do PT, foi escolhido pelo próprio Lula para dirigir o Ministério da Fazenda. Por sua vez, Aloizio Mercadante, que é economista e é também uma estrela petista de primeira grandeza, tem boas ligações com os partidos que compõem o Centrão e mais ainda com o empresariado, que sempre o viu com simpatia. 

O país já tem problemas em demasia. Neste momento, tudo de que a economia brasileira não precisa é de um choque entre integrantes da área econômica do governo. Mas a vaidade é um dos pecados que o homem traz consigo ao nascer. E essa divergência de Aloízio Mercadante com Fernando Haddad é estimulada pela vaidade de ambos. Mercadante acha pouco para ele a presidência do BNDES. E Haddad é alguém que Lula tem na agenda e no coração para voos mais altos (ele foi o candidato indicado por Lula para a eleição presidencial de 2018).

Na área econômica do governo, há claras divergências, e elas são atiçadas pelo próprio presidente Lula, que não perde oportunidades de criticar o Banco Central, seu presidente, sua independência e sua meta de inflação. O ministro Fernando Haddad é, pois, vítima das repercussões negativas que causam as falas do presidente Lula.
 
Outro ministro, o das Relações Institucionais, o também petista Alexandre Padilha, já interveio pelo menos duas vezes para acalmar o mercado, que tem rechaçado as opiniões de Lula. Não há dúvida de que o presidente , quando se pronuncia a respeito de temas da economia, tem como alvo seus apoiadores, da mesma maneira que fazia Bolsonaro no cercadinho do Alvorada.

Sem um plano de governo até agora – principalmente para a economia do país – o presidente Lula tem dificuldades para explicar como pretende promover o crescimento do PIB neste e nos próximos anos de sua gestão. 

O ministro Haddad promete que, no próximo mês de março, encaminhará ao Congresso Nacional um novo arcabouço fiscal que substituirá o teto de gastos. São as despesas do governo – que aumentaram bastante neste exercício – a preocupação central do mercado, pois elas elevam as necessidades de financiamento, o que aumenta a dívida e pressiona os juros (quem compra os títulos do governo exige taxas de interesse maiores, e isto é do jogo).

Falta ainda mais de um mês para que se completem os primeiros 100 dias do governo Lula, mas o tempo que já passou foi suficiente para provocar curtos-circuitos, o último dos quais é esse que parece separar Mercadante de Haddad e vice-versa. 

Com maioria nas duas casas do Parlamento, Lula navega com vento de popa, mas a economia terá de dar sinais de crescimento uma vez que, do contrário, o apoio dos partidos do Centrão, que custa caríssimo, poderá passar a custar mais caro ainda, e aí o vento passará a ser de proa, atrasando a velocidade das propostas de reformas, incluindo a tributária, e fazendo ganhar raízes a semente da oposição, que por enquanto se comporta discretamente na Câmara dos Deputados, no Senado Federal, na imprensa e nos púlpitos das igrejas cristãs. 

REPERCUSSÃO NO MERCADO

Por causa dessa primeira fissura no governo Lula, a Bolsa de Valores brasileira B3 operou de mau humor durante todo o dia, fechando em queda de 1,85%, aos 107.152 pontos. E o dólar aproveitou para subir um pouquinho, encerrado o dia cotado a R$ 5,16.

Foram dois os motivos pelos quais a B3 registrou nova queda. O primeiro veio do exterior: a ata da última reunião do Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos, sinalizou para os investidores que a inflação está resistindo às medidas adotadas pela autoridade monetária, devendo demorar para alcançar o centro da meta estabelecida. 

Os últimos dados divulgados sobre a economia norte-americana indicam que, embora os preços tenham registrado tendência de queda, o emprego segue muito robusto e as vendas seguem mostrando tendência de alta, com a elevação do consumo, o que repercute no índice de inflação. Por isto, a expectativa do mercado norte-americano é de que o Federal Reserve terá de aplicar um novo aumento da taxa de juros da economia dos Estados Unidos.

Aqui no Brasil, o mau humor do mercado foi motivado pelas informações sobre as divergências entre o presidente do BNDES, Aloízio Mercadante, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre as quais acabamos de falar. Também contribuiu para a queda da Bolsa o Boletim Focus, divulgado ontem depois do meio-dia, que trouxe a notícia de que a inflação brasileira mostra curva de alta neste ano e também nos anos 2024 e 2025.

E outra causa da queda da Bolsa no dia de ontem foi a informação – divulgada pela Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará – segundo a qual foi confirmado o registro de um caso de “vaca louca” numa fazenda pecuária do interior do estado do Pará, cujo rebanho é de 160 cabeças. 

Diante disso, o Ministério da Agricultura ordenou a suspensão das exportações da carne brasileira, o que fez cair as ações dos principais frigoríficos do país, como o BRW, cujos papeis desabaram 6,7%; o Minerva, com queda de 7,9%; o JBS, cujas ações caíram 4,33%; e o Marfrig, que teve queda de 4,7% no valor de suas ações. 

Apesar da determinação de suspender as vendas da carne brasileira para o exterior, o Ministério da Agricultura explicou que o caso é atípico, ou seja, ele foi autodesenvolvido em um animal mais velho, o que exclui a possibilidade de um surto de vaca louca no Brasil.

Em 2019 e em 2021, o Brasil adotou a mesma providência de proibição das exportações de carne, quando surgiram casos de vaca louca. Em 2019, a proibição durou apenas 13 dias; em 2021, porém, durou três meses.
 
A doença da vaca louca atinge o cérebro de bois, búfalos, cabras, ovelhas e carneiros. Ela é transmitida, geralmente, pela ingestão de farinha de carne e ossos de outros animais. Por esta razão, é muito rígido o controle sanitário das populações bovinas, bubalinas, ovinas e caprinas.

Um detalhe: 60% da carne brasileira vendida para o exterior têm como destino a China, que é o maior parceiro comercial do Brasil. 

O que vai acontecer como consequência desse caso e da proibição das exportações é uma queda dos preços da carne, tanto no mercado interno brasileiro, quanto no mercado externo, segundo estimam os analistas.