Aprendendo idiomas: o bilinguismo na educação infantil

A educadora Bárbara Porro, psicóloga com pós-graduação em Harvard e na PUC, é especialista em educação infantil e escreveu para esta coluna um texto sobre o ensino de língua estrangeira a crianças

O interessante texto a seguir é da professora Bárbara Porro, cofundadora, diretora e chefe de Inovação da TreeHouse, uma escola de Fortaleza dedicada à educação infantil. Leia-o:

“Não podemos começar a falar de aprendizado sem falar da plasticidade cerebral na primeira infância. A plasticidade cerebral representa a notável capacidade do cérebro de se adaptar e reorganizar em resposta a estímulos, aprendizado e experiências ao longo da vida. 

“Imagine que a cada vez que você aprende algo novo, dentro do seu cérebro há um processo chamado sinapse, ou seja, novos neurônios são formados para que você aprenda aquela nova situação. A expressão "as crianças são como esponjas" é derivada desse processo. 

“É extremamente mais fácil ensinar uma criança a aprender um instrumento musical, um novo idioma ou um esporte do que a um adulto. É crucial compreender que o nível de plasticidade cerebral varia significativamente entre uma criança na primeira infância e um adulto. Durante essa fase inicial da vida, a infância, o cérebro revelam-se como um terreno fértil para aprendizados rápidos e adaptações notáveis em face de novas informações.

“Imagine que, em apenas alguns anos, um ser que inicialmente é extremamente indefeso e dependente evolui para alguém que corre, testa limites, interage com a sociedade e resolve complexos desafios. Essa transformação é alimentada pela formação de uma miríade de conexões neurais, um processo de desenvolvimento que atinge o seu auge durante a primeira infância.

“No entanto, quando abordamos o tópico do bilinguismo, ainda há inquietações por parte dos pais. Durante muitos anos, prevaleceu a preocupação de que o bilinguismo pudesse prejudicar o desenvolvimento infantil, levando a um atraso na aquisição da linguagem. É necessário entender o que ocorre com as crianças bilíngues para dissipar esse equívoco, muitas vezes influenciado até mesmo por alguns profissionais da saúde.

“Um aspecto natural do bilinguismo que pode causar equívocos é a fase em que, ao começarem a falar, muitas crianças bilíngues misturam idiomas ao se comunicar, como por exemplo: "quero water, please". Esse fenômeno, conhecido como "code mixing", representa uma etapa comum na aquisição de linguagem para cérebros bilíngues até os 3 anos de idade. Essa mistura não é uma confusão, mas sim uma expressão do desenvolvimento linguístico, em que as crianças escolhem a palavra que lhes parece mais apropriada, mais curta ou mais familiar, dependendo do contexto. Essa alternância de códigos não é um simples erro, mas, na verdade, uma estratégia de comunicação que facilita a expressão infantil.

“Em um ambiente de imersão, como em uma escola em que se utiliza principalmente o inglês, onde a criança é exposta a esse idioma em mais de 75% do tempo que passa lá, a criança adquire a linguagem sem fazer distinção entre o inglês e o português, ampliando assim o repertório do vocabulário. Em casa, ela pode chamar uma cadeira de "cadeira", mas na escola pode ser chamada de "chair". 

“Para entendermos melhor o funcionamento do cérebro bilíngue, temos à nossa disposição uma série de estudos valiosos, como o trabalho de Ferjan Ramirez, Naja & Kuhl, Patricia, datado de 2017, intitulado "The Brain Science of Bilingualism". Este estudo lança luz sobre as complexidades cerebrais de crianças bilíngues em comparação com crianças monolíngues. 

“Os resultados revelam as respostas cerebrais de bebês de 11 meses de idade bilíngues espanhol-inglês e crianças monolíngues, expostas apenas ao inglês, quando expostos a diferentes idiomas. Surpreendentemente, as crianças bilíngues demonstram a ativação da mesma área cerebral ao ouvirem dois idiomas distintos, enquanto as crianças monolíngues mostram a ativação de áreas cerebrais separadas, dependendo do idioma ouvido.

“Essas descobertas científicas destacam a notável plasticidade cerebral das crianças, especialmente quando se trata de bilinguismo, desmitificando assim a noção de que isso possa prejudicar seu desenvolvimento. Ao contrário, a experiência bilíngue representa um exercício enriquecedor para o cérebro infantil, evidenciando a sua incrível capacidade de adaptação e aprendizado contínuo. O conhecimento de tais mecanismos cerebrais abre portas para uma compreensão mais profunda de como nossos cérebros respondem e se ajustam a diferentes línguas e culturas, revelando o potencial cognitivo das crianças de forma surpreendente. 

“Além disso, estudos mostram que o bilinguismo possui diversas vantagens na vida cotidiana como melhor desempenho cognitivo, maior flexibilidade mental, habilidades de comunicação aprimoradas, melhor desempenho acadêmico, vantagens no mercado de trabalho, maior sensibilidade cultural, maior capacidade e facilidade de aprender mais idiomas, resolução de conflitos aprimorada, vantagens para aprender programação, entre outras.”