Alide abre reunião anual com advertência do BNDES sobre o clima

Aloizio Mercadante diz que os bancos de desenvolvimento da América Latina e Caribe têm grave responsabilidade neste momento de grave crise climática. E falou do Rio Grande do Sul

Saudados pela música do Lima Quarteto – dois violinos, uma viola e um cello -- que lhes brindou com peças de Mozart, Beethoven e Vivaldi e ainda executou os hinos Nacional e do Ceará – os 250 participantes da 54ª Reunião Anual das Instituições Financeiras da América Latina e Caribe (Alide) ouviram, logo no início dos trabalhos, uma advertência do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, que lhes disse, com outras palavras:

“O mundo está vivendo um momento de aceleradas transformações geopolíticas e ambientais de que são exemplo as guerras atuais e os desastres naturais, como o que, neste momento, assola o nosso querido Rio Grande do Sul, aqui no Brasil”. 

A reunião, iniciada ontem às 9 horas no auditório da sede do Banco do Nordeste (BNB) no bairro Passaré, nesta capital, prosseguirá até sexta-feira, 17, e tem como tema central – não por coincidência – “O papel dos bancos de desenvolvimento para a redução de impactos ambientais e das desigualdades sociais”.

O governador Elmano de Freiras, que prestigiou o evento, fez um esforço enorme para estar presente: ele viajou durante parte do dia ontem desde Roterdã, na Holanda, onde se encontrava numa grande exposição sobre hidrogênio Verde, até Fortaleza, com escala em Paris. Mas, ao chegar ao Passaré mostrou completa disposição física, ao dizer ao presidente do BNB, Paulo Câmara, que o recebeu: “Vamos trabalhar?” Aloizio Mercadante, que também o esperava, transmitiu-lhe um “seja bem-vindo” e a informação de que o BNDES financiará, com recursos do Fust, o projeto da cearense Brisanet de levar a Tecnologia 5G às regiões da periferia de Fortaleza e sua Região Metropolitana.

Na sessão de instalação da Reunião Anual da Alide, que pela terceira vez se realiza nas dependências do BNB, quem falou primeiro foi o presidente do BNB, o anfitrião, Paulo Câmara.

Ele traçou um desenho institucional do BNB, dizendo que o banco conta com o Fundo Constitucional do Nordeste (FNE), cujo orçamento neste ano é de R$ 39 bilhões, o equivalente a US$ 7,6 bilhões, recursos que favorecem a criação de diversos programas e linhas de crédito para micro, pequenas, médias e grandes empresas, inclusive no setor de infraestrutura. Também disse que o BNB tem sido um parceiro fundamental da estratégia de transição energética do país, financiando usinas eólicas e fotovoltaicas em sua área de atuação, contribuindo para a diversificação da matriz energética e a mitigação das mudanças climáticas. Nos últimos 5 anos, o Banco financiou mais de R$ 32 bilhões, ou seja, US$ 6,3 bilhões (seis bilhões e trezentos milhões de dólares) em energia solar e eólica, colocando o Nordeste como lider da geração de energia limpa no Brasil. Queremos atrair investimentos internacionais para usarem essa energia limpa para produzir bens e serviços com baixa emissão de carbono.

Em seguida falou o presidente do BNDES. Ele disse:

“Nós vivemos na América Latina, particularmente no Brasil, um processo de desindustrialização muito acelerado, desde a crise da dívida externa. A ideia do Estado mínimo, de desregulamentação, da abertura comercial, do Consenso de Washington, que hoje não é consenso nem em Washington. Estamos vendo o esvaziamento da Organização Mundial do Comércio (OMC) e medidas de defesa comercial sem precedentes. O FMI fez um estudo recente, em janeiro deste ano, mostrando que, em 73% de probabilidades, as novas medidas de defesa comercial, de política industrial, subsídios e compras governamentais têm origem na China, EUA e União Europeia. Há uma disputa por esse deslocamento das cadeias de valor.”

De acordo com o presidente do BNDES, os subsídios do governo norte-americano chegam a R$ 686 bilhões, e este número está à disposição na plataforma do governo dos EUA. “Sem falar na China que já vem numa política agressiva na relação Estado-mercado, sendo a economia que mais cresceu nos últimos 40 anos”.

Mercadante ressaltou que a União Europeia tem sustentado política cada vez mais agressiva de subsídios, de defesa comercial, com taxas de até 25% sobre importações. 

“Hoje, está nos jornais que os EUA aumentarão em 100% a taxação de automóveis elétricos, e ainda oferecem US$ 7 mil para você comprar um automóvel produzido lá. A América Latina olha para esse cenário. Nós não temos as mesmas condições fiscais nem os mesmos instrumentos para defender a reindustrialização da região”, disse.

Ele sugeriu que os países latino-americanos e do Caribe devem trabalhar de forma mais coesa “para aproveitar uma janela de oportunidades que se abre, que é a crise climática”.

Essa crise “está chegando com uma intensidade sem precedentes na história; o ano de 2023 foi o mais quente da história documentada; tivemos a semana mais quente e o dia mais quente; de março de 2023 a março de 2024, a temperatura média do planeta aumentou em média 1,6 grau Celsius; a dos oceanos, também um e meio grau Celsius, e tudo isto está gerando um impacto muito grande na agricultura”.

Ouvido sob um silêncio sepulcral pelo auditório, Mercadente falou sobre o que se passa hoje no Rio Grande do Sul, onde muito recentemente – em setembro e novembro do ano passado – houve dois graves eventos de inundações em regiões gaúchas. A catástrofe natural que a natureza produz neste mês de maio na geografia gaúcha, advertiu Mercadante, é a prova provada da crise climática. Ele disse:

“Noventa por cento do Estado (do Rio Grande do Sul) estão debaixo d’água; 91% da indústria estão inviabilizados pelas inundações; mais de 120 estradas estão interrompidas. É o maior desastre climático que temos documentado na história do Brasil. Mas, na Amazônia tivemos a maior seca da região em 121 anos. Os rios secaram e comprometeram a negação na região. 

“Estão, nós estamos nesta reunião com uma tarefa para a qual não podemos dispersar esforços. Como bancos de desenvolvimento, nós temos uma gigantesca responsabilidade”, disse ele, sob aplausos.

Depois, encerrando a solenidade, falou o governador Elmano de Freitas, na opinião de quem hoje há uma convergência para o tema crucial do Financiamento do Desenvolvimento Face aos Desafios Globais Atuais, “uma questão fundamentalmente ligada ao progresso e à estabilidade da América Latina e do Caribe. O papel dos bancos de desenvolvimento, como o Banco do Nordeste, e sua colaboração através de redes como a Alide, não pode ser subestimado, eles são não apenas participantes, mas também pilares da estabilidade econômica e do crescimento regional.”

O governador pediu permissão para destacar algumas iniciativas de financiamento chave “que catalisam desenvolvimento significativo em nosso estado. Por exemplo, o Promotec II - Projeto de Modernização Tecnológica do Estado o Ceará, enriquecido pela cooperação alemã, tem transformado nossa infraestrutura tecnológica, beneficiando diretamente a educação superior e a segurança pública. Tal projeto ilustra como parcerias internacionais podem fortalecer nossas capacidades locais. Além disso, a iniciativa 1Águas do Sertão”, em parceria com a KFW, é um marco no fornecimento de água de qualidade para comunidades rurais, adaptando nossa infraestrutura às mudanças climáticas e promovendo uma gestão de recursos hídrica mais resiliente”.

“Em áreas urbanas, destacamos a Urban ização da Favela Dendê, com apoio da Caixa Econômica Federal. Esse projeto não só reabilita espaços, mas melhora significativamente a qualidade de vida de cerca de 17 mil residentes, promovendo um ambiente comunitário mais seguro e digno. No setor de habitação, o Programa Minha Casa Minha Vida tem sido essencial para garantir habitação acessível, refletindo nosso compromisso com o bem-estar social e desenvolvimento econômico. Outros programas, como o Profisco II - Programa de Modernização da Gestão Fiscal do Estado do Ceará, apoiado pelo BID, e o IPF-CE - Projeto de Apoio a Melhoria da Segurança Hídrica e Fortalecimento da Inteligência na Gestão Pública do Estado do Ceará, demonstram nossa dedicação à modernização administrativa e à gestão sustentável de recursos hídricos, respectivamente, destacando o impacto direto dessas iniciativas na sustentabilidade fiscal e na saúde econômica de nosso estado. A importância estratégica dessas instituições é exemplificada pelo apoio inabalável a projetos transformadores em nosso estado do Ceará. Essas instituições nos ajudam a aproveitar o potencial de nossas economias locais, fortalecer infraestruturas sociais e garantir práticas de desenvolvimento sustentável que beneficiem todos os setores da sociedade.” 

A Reunião Anual da Alide prosseguirá até sexta-feira, no auditório da sede do BNB no Passaré.