Porque a extrema-direita ataca as escolas?

Essa semana o país ficou chocado com o assassinato de quatro crianças em uma creche na cidade de Blumenau, no estado de Santa Catarina. Um militante da extrema-direita, um seguidor de Jair Bolsonaro, pulou o muro da creche Bom Pastor e agrediu com uma machadinha oito crianças, sendo que quatro delas sobreviveram. Ação que foi defendida por um outro professor, da cidade de Joinville, que em sala de aula disse que mataria quinze ou vinte crianças.

Na segunda-feira, dia 27 de março, quatro professoras e um estudante foram esfaqueados, durante o intervalo, na Escola Estadual Thomazia Montoro, na Zona Oeste da cidade de São Paulo. A professora Elizabeth Tenreiro, de 71, teve uma parada cardíaca, a caminho do Hospital Universitário da USP e veio a falecer. A professora havia repreendido o aluno porque ele praticava bullying de conteúdo racista contra os colegas e, por sua vez, diz ter sido constantemente ridicularizado por causa de seu cabelo e por ser muito magro.

Segundo levantamento da agência Fórum, desde que a extrema-direita assumiu o poder, que Jair Bolsonaro assumiu a presidência, foram vinte e seis episódios de violência sanguinária nas escolas, com feridos ou vítimas fatais. O jornalista Leonardo Stopa afirmou no site 247 que essas ações não são espontâneas, elas seriam planejadas nas redes sociais e nas chamadas Dark Web ou Deep Web que, como os nomes indicam, seriam o lado obscuro, não visível, subterrâneo, da internet, composto por sites que só podem ser acessados com um navegador especializado, visando manter o anonimato e a privacidade das ações, que podem ser legais ou ilegais.

A extrema-direita aliciaria através do submundo da internet pessoas mais influenciáveis, inclusive portadores de distúrbios mentais e de personalidade, como parece ser o caso do invasor da creche catarinense, para perpetrarem esses atos de violência. Quando ele se refere, em seu depoimento, que vozes em sua cabeça o ficaram dizendo para realizar o ato criminoso de agressão a uma instituição pré-escolar, tanto ele pode estar falando de possíveis delírios causados pela esquizofrenia, que alega portar, quanto das vozes desses influenciadores clandestinos que, através da internet, tentam induzir e arregimentar pessoas frágeis emocionalmente, pessoas tomadas pelo ressentimento, pela raiva, pelo ódio, para que realizem agressões contra as escolas.

Mas, o que devemos nos perguntar é sobre os motivos que levam a extrema-direita, o bolsonarismo, o nazifascismo a atacarem as escolas, os professores e instituições similares, como uma creche. Essa guerra contra a educação, contra as instituições de ensino, faz parte do que a extrema-direita nomeia de guerra cultural. Os ideólogos da extrema-direita consideram que a maioria dos professores são de esquerda, fazem proselitismo marxista, estão a serviço da implantação do comunismo. A defesa do chamado ensino doméstico, a chamada home school, do ensino militarizado, visaria, justamente, proteger as crianças e adolescentes da má influência dos professores, dos pedagogos que, no caso do Brasil, seriam todos discípulos e prosélitos de Paulo Freire que, na cabeça dessas pessoas, é o protótipo do educador comunista.

A cassação das comendas recebidas pelo famoso educador durante a gestão de Bolsonaro, assim como a recente mudança do nome de uma estação do metrô paulistano, pelo governador bolsonarista, Tarcísio de Freitas, mostra o desapreço que a extrema-direita tem por um dos intelectuais brasileiros mais conhecidos no exterior e pela educação em geral, preferindo dar a estação o nome de um bandeirante matador e escravizador de indígenas. Gesto mais simbólico do que está acontecendo nas escolas impossível: se substitui um intelectual, um professor, um educador de renome por um matador, um perpetrador de violências, um sanguinário ganancioso.

A extrema-direita tem se especializado em desqualificar as instituições de ensino, como extensão de sua campanha obscurantista contra a ciência, contra o pensamento crítico. O que na verdade a extrema-direita abomina é que a escola e as instituições científicas, assim como as atividades culturais e artísticas, que também sofreram constante perseguição no governo fascista de Bolsonaro, questionam a existência de pretensos valores únicos, de verdades e dogmas inquestionáveis.

Ao relativizar as certezas, ao pôr em questão as verdades pretensamente eternas e imutáveis, ao problematizar os valores como sendo social e politicamente produzidos, a ciência e o ensino vão na contramão da visão de mundo autoritária da extrema-direita, que quer impor uma única verdade, uma única versão dos fatos sociais, que quer impor a sua visão da realidade, que quer tornar inquestionáveis os seus valores.

Para aqueles que não suportam ser contrariados, que não aceitam o debate, a discussão, a multiplicidade de valores e ideias, fundamento mesmo da democracia, a escola é um lugar perigoso.

A escola inclusiva, que se pretende construir, é vista como uma ameaça por uma extrema-direita preconceituosa e que aposta na exclusão de todos aqueles que não rezam por sua cartilha, que não correspondem aos seus modelos de subjetividade e até de corpos, quando não apostam em sua eliminação física (o gesto de Bolsonaro, em manifestação pública no Acre, durante sua campanha, transformando um tripé de uma câmera fotográfica em uma arma para exterminar a petralhada, ou sua entrevista defendendo a necessidade de se matar uns 30 mil, foram algumas das senhas que explicam a adoção da violência sanguinária como forma de se eliminar quem é diferente ou não partilha o modo de ser, de pensar, de se comportar do militante de extrema-direita).

A série de ataques as escolas acontecem depois de anos de difamação da educação, dos professores, das escolas e das universidades por parte, até mesmo, de Ministros da Educação do governo anterior. Foram anos se acusando os professores da prática de pedofilia, notadamente aqueles que seriam homossexuais, suspeitos de fazerem campanha a favor de que seus alunos e alunas se tornassem gays. Foram anos em que o Ministério dos Direitos Humanos foi ocupado por uma ministra que fazia discurso contra os direitos humanos e que levantava as maiores calúnias públicas contra os professores e professoras. Foram quatro anos se escutando que as universidades são antros de esquerdistas, de maconheiros, locais dedicados a prática da orgia, onde tudo o que menos se faz é estudar. Incomodados com o fato de que as universidades e as instituições de ensino foram focos de resistência política e ideológica ao avanço dos valores autoritários, antidemocráticos, anticivilizacionais da extrema-direita, os agentes do fascismo abandonaram o enfrentamento discursivo e simbólico, feito através dos meios de comunicação e da internet, e partiram para o ataque sanguinário.

Não bastando o acosso moral, as ameaças de cancelamento e de morte, as agressões verbais e midiáticas, os ataques cibernéticos, a extrema-direita partiu, agora, para o amedrontamento daqueles que consideram seus adversários através do recurso ao terrorismo sanguinário.

Os ataques as escolas visam, no delírio autoritário dessas cabeças e subjetividades fascistas, eliminar os adversários, os inimigos, como aconselhou publicamente a sua liderança máxima no país, que é o principal responsável pelas tragédias que estamos vivenciando. O estímulo a violência sanguinária contra adversários políticos, vistos como inimigos a ser abatidos, é um dos vários crimes cometidos pelo ex-presidente de extrema-direita. A criação da suspeita moral em relação ao trabalho dos educadores é a forma privilegiada de atuação da extrema-direita, que costuma disfarçar posições políticas e ideológicas através de pretensas diatribes morais. É preciso nos perguntar que moralidade é essa, que valores pretensamente cristãos são esses, que levam alguém a matar a machadadas crianças de quatro, cinco e sete anos.

Não podemos cair no discurso do governador bolsonarista de Santa Catarina, Jorginho Mello, que disse que o ocorrido em Blumenau foi um caso isolado, quando ele se inscreve numa série de ataques sanguinários realizados contra alunos e professores por simpatizantes e seguidores da seita política de que ele faz parte. Como o ocorrido pode ser um fato isolado, se aconteceu num estado em que alunos se reuniram numa escola para formarem a suástica com seus corpos, se é o estado do Brasil onde atuam livremente uma grande quantidade de células neonazistas, inclusive na cidade de Blumenau; estado que, não por mera coincidência, deu a maior votação proporcional ao mito da extrema-direita nacional?

Para quem cultiva a ignorância, a desinformação, a mentira como armas políticas, para quem vê o conhecimento crítico como uma ameaça, para quem aposta na dominação mediante o falseamento constante da realidade, as escolas, a educação, os professores são inimigos a abater (sem deixar de dizer, como mostra o caso do professor de Joinville, que as escolas e as universidades não estão livre dos cultores do engodo e da violência de extrema-direita, há nelas um baixo-clero ressentido, com ódio ao saber e a inteligência, revoltados e raivosos por terem sido, em algum momento, obrigados a encarar sua própria mediocridade, que também se colocaram a serviço do bolsnarismo).

O terrorismo, o espalhamento do medo, a tentativa de paralisar as pessoas e de fazê-las desistirem de lutar, de suas posturas e posições pedagógicas e políticas, é o que explicam essas ações orquestradas e nada isoladas de ataques as instituições de ensino.

Os defensores da tal “escola sem partido” partiram para a violência aberta contra as instituições de ensino como uma manifestação do desespero pela derrota eleitoral (esses ataques são pequenas versões do 8 de janeiro, com maior violência sanguinária, porque aquele dia, por ser um domingo e pela conivência das forças de segurança, evitou que um banho de sangue acontecesse), diante do fato de que as escolas resistiram ao acosso da extrema-direita, pelo fato de não terem conseguido realizar a tal revolução cultural conservadora que pretenderam. Esses ataques são, ao mesmo tempo, uma forma de vingança e uma maneira que a extrema-direita encontrou de continuar presente, de ser notícia, apesar da derrota eleitoral inesperada. A militância terrorista foi, desde a modernidade, uma forma de atuação dos extremos ideológicos e políticos.

Tentar dominar a sociedade pelo medo, pelo terror, pela ameaça, sempre foi uma prática das forças fascistas, das forças da extrema-direita. Eles são fruto do cultivo do ódio que foi praticado, com a colaboração luxuosa dos meios de comunicação, com seu chamado jornalismo de guerra, desde, pelo menos, os episódios de 2013. A pretexto de se retirar a esquerda do poder, o incentivo ao ódio, à raiva, à intolerância, tomou conta dos veículos de comunicação da chamada grande imprensa, dando guarida e veiculando todas as mitologias depreciativas em relação às escolas, às universidades, à educação. O resultado está aí. E agora ninguém é culpado, todos fingem não entender e compreender o que aconteceu no país de gente, pretensamente, cordial e alegre. O ovo da serpente foi chocado e agora que pare seus monstros ninguém é responsável, todos fingem estar perplexos.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.