Descobri que falar de amor é falar de bons equívocos e, por isso, é preciso apostar nele

As percepções de uma mulher tão devotada ao sentimento que passou a estudá-lo para melhor vivê-lo em si e nos outros

“Amor é a desilusão daquilo que se pensava que era o amor”. Clarice Lispector escreveu esta frase e Ana Suy a incorpora na própria vida. É sempre um processo. Dia a dia, o sentimento estica os braços em direção à psicanalista, professora e pesquisadora e a faz aprofundar olhares sobre ele. Nada fica restrito. Alcança milhares de pessoas por meio de obras, publicações nas redes sociais e série de pensamentos cujo fim é forte e bonito: saber amar.

Isso envolve, sobretudo, desconstrução. Quer um exemplo? Talvez ninguém ainda tenha te contado, mas, na visão de Ana, falar de amor é falar de equívocos. Bons equívocos, claro. Mas equívocos. “Quando falamos a palavra ‘amor’, já partimos do pressuposto de que sabemos do que estamos falando. Porém, cada pessoa vai ter uma experiência diferente com relação a ele”. Um emaranhado de versões, então. Sem artigo definido.

E se são tantas, não dá para dizer se há uma melhor ou mais correta, digna ou justa. Bom é amar e perceber que equívoco não é necessariamente erro, algo a ser eliminado. Está mais na ordem do impreciso, do indefinível, da surpresa. O amor, enfim, é uma experiência que interessa a todos nós porque, enquanto ação, nos faz precisar do outro. E se há essa urgência, necessitamos amar e ser amados – primeiro amados para depois amar.

“Acho que tudo o que diz respeito ao amor diz respeito a nós, no lugar onde nos é mais primitivo, fundamental e fundante de nossa essência e constituição psíquica. Querer saber do amor é querer saber da gente”. Ouço isso da Ana e penso nessa experiência particular do amar.

Abro espaço para confessar algo íntimo, uma ferida de minha mãe: ela nunca ouviu “eu te amo” do meu pai, algo que gera queixa, dúvida e até revolta.

“Será mesmo que sou amada? Por que ele não dá o braço a torcer e fala a frase como tem que ser dita, ‘eu te amo’? Não deve me amar, então”. Levo a questão para a Suy – ainda que, no peito, suspeite da resposta. Afinal, existe amor sem afirmar, em palavras, a tão clássica frase? “Tendo a pensar que ‘eu te amo’ é algo que não faz valer o amor”, responde Ana, confirmando minha teoria miúda.

“Quando você fala que ama alguém, ainda que declare por meio do ‘eu te amo’, não é possível sentir como se essa expressão dissesse o tamanho do amor. O amor é uma experiência muito grande para caber em três palavrinhas. Acho que, com frequência, a gente o declara dizendo outras coisas, fazendo outras coisas. Amar tem mais relação com um fazer isso valer do que com um declarar de maneira tão óbvia, talvez”.

Observe, sugere a psicanalista: os amantes mesmo tendem a procurar outras maneiras de declarar o amor para além do convencional. Formas muito específicas. “Eu te gosto muito”, “Eu te aminho”, “Eu te amo daqui até a lua não sei quantas vezes”. A gente vai colocando alguma coisa de um elemento singular da relação na tentativa de dizer algo do nosso gostar – não na dimensão do que é comum para todos, mas na dimensão do que é específico daquela experiência.

“E, por vezes, o amor passa por muitas outras coisas que não têm necessariamente relação com a palavra declarada, desse jeito que conhecemos. Logo, por mais que algumas pessoas fiquem muito obsessivas com a declaração do amor, ele é muito mais um exercício daquilo que se pratica do que uma fixação nesses pequenos termos”.

Eis uma realidade: muita gente quer um bem-querer. Mas esse universo é o contrário daquilo que pensamos. O amor é pobreza, reforça Suy. Apenas a fantasia amorosa – e apenas ela, nesses termos – nos dá a sensação de completude, como se o outro viesse nos tamponar de nossas faltas e nos restabelecer do inferno que é ser quem a gente é. Uma idealização. A experiência amorosa chega para embaralhar essa fantasia. 

Amar não é necessariamente ser restabelecido da falta, mas especialmente se deparar com faltas novas. Quando amamos alguém, nos colocamos numa certa dependência desse alguém – não aquela tóxica, emocional, mas no sentido de que, se você ama uma pessoa, não tem como ser feliz se ela não estiver feliz. “Então, amar é se deparar com uma certa vulnerabilidade, que eu acho muito afinada com aquela frase da Clarice Lispector”.

Um estar no mundo – terno, carinhoso e sempre único – impossível de se desvencilhar. Nada no amor se replica. Essa grande característica dele nos faz grandes. “Na relação que a gente tem com alguém, tem alguma coisa que é impossível de ser repetida. Então, por mais que alguém tenha uma série de namoros, uma série de filhos, uma série de seja lá o que for, cada experiência amorosa é, de certa maneira, irreplicável”.

Recordo desta coluna. Neste mês de agosto, celebro o primeiro ano dela. É um pequeno marco. Neste espaço, já desfilaram histórias quase inimagináveis, tamanho o grau de extravagância e coincidência. E outras muito simples, embora tão sublimes quanto. Em cada uma, dá gosto ver que amor é coisa que não se contém: transborda.

Foi assim que cheguei no Naldo, na Geise e no Laércio. Na Livinha, na Ruth e no Marcelo. Nessa quadrilha reformulada de Drummond, em que vão se avolumando nomes como Michele, Tom, Amanda, Diógenes, Lara, José, Gerônimo, Erilene, Emerson, Daniela, Natália, Niely, Aminah, André, Gilberto, Lucineudo. São muitos. Constelação.

Espero que a galáxia se estenda e empreenda novidades. A delicadeza do sentir. Para voltar novamente à Clarice Lispector por meio da Ana Suy: “O amor é quando é concedido participar um pouco mais”. Vamos?

 

*Esta é a história de amor da psicanalista Ana Suy e o amor pelo amor. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor.

 

Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor